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NADA COMO SERVIR

Qual é a finalidade da vida? O que justifica a vida? Viver para quê?

Se não encontrar uma explicação plausível para estas perguntas, talvez você esteja caminhando numa linha paralela, ou em um desvio que leve a lugar nenhum.

É preciso romper nossa condição social de auto suficiência, e adentrar no mundo dos "esquecidos", isto é, do povo de rua, dos enfermos, dos abandonados à própria sorte.

Depois de duas semanas de forte gripe, onde o pulmão congestionado e dores por todo corpo, sem forças sequer para levantar os braços, me retiraram de minhas obrigações pastorais, deixando-me aí sim doente espiritual, sem poder realizar-me, em servir os marginalizados, voltei para meus afazeres. Alguns moradores de rua amigos estavam preocupados comigo. Alegrei-me, pois, não estivera sofrendo sozinho e em solidão.

Finalmente, nesta sexta à noite, pude estar com o povo de rua, e trocar idéias com eles sobre muita coisa. Soube do Wallace, que fora preso, por roubar um celular, e nos entristecemos por ele se deixar levar por coisas erradas, e tenha agora que pagar pelo que fez.

Sentimos um pouco de co-irresponsabilidade, por não o termos convencido a tempo, para tornar-se uma pessoa de bons princípios,  por não termos sido mais efetivos em nossa influência. O rapaz que contou-nos a história, explicou que Deus permitiu que o Wallace fosse preso, para que o mesmo, agora, pudesse se converter verdadeiramente.

Respondi-lhe que não era bem uma permissão de Deus, isto é, Deus deu a homem um mundo em liberdade, e assim sendo tudo é permitido, até o fazer coisas erradas. Na realidade, o mal quem escolhe e o faz, somos nós mesmos. E não podemos esperar que Deus seja responsabilizado por nossos próprios erros. Recebi críticas de uma irmã que argumentou que minha afirmação não era evangélica. Ficamos no impasse. Vou procurá-la, para chegarmos a uma melhor reflexão.

Encontramos também um rapaz gay, cujo nome declino, que estava só, sentado numa calçada. Seu olhar manso, no fez pensar que ele já tenha passado por grandes dificuldades, e imaginei como os gays são marginalizados, primeiramente na própria casa, e depois por muita gente preconceituosa, por todos os cantos.

Ele  nos disse:
- "Se eu for bom para com as pessoas, creio estar fazendo a vontade de Deus"
Todos fomos unânimes em concordar com ele, e o incentivamos a buscar uma solução para sua vida.

Muitos abandonados pediam orações, e procuramos confortá-los. Boa parte já tem idade avançada, e nestes casos, praticamente ninguém se interessa por eles. Estão à mingua, choram, pedem cobertores. É uma situação muito triste.

No sábado estive no Hospital das Clínicas, Setor de Ortopedia, para visitar os enfermos, pela Pastoral da Saúde, ligada aos Camilianos. Vi um rapaz, que foi atropelado há 8 meses, na companhia do irmão junto ao pé da cama. Chama-se Renan. Não fala, permanece imóvel sobre o leito, sem reação quase nenhuma. Às vezes pisca os olhos, mas não os mexe em nossa direção. Parece exterior, mas tem o rosto limpo, puro, sem face tensa, como a nossa, tão bombardeada de besteiras diárias.

Não, o Renan está em um mundo só dele, sem que ninguém consiga penetrar, falando sabe-se lá com quem. Com Jesus? Com a Virgem Maria? Sei lá. Deus sabe. Mas ficou uma angústia por ele, por esta prisão interior, que o impede de ter acesso à sua família, que paradoxalmente mantém grande esperança.

Visitei também um enfermo, que havia se queimado fritando um peixe. Virou a frigideira cheia de gordura quente, sobre as pernas. Como ele não retirou a calça em tempo e ficou com a roupa, só mais tarde é que percebeu a queimadura, por ter a roupa colada à perna. Como não tem família, foi sozinho para o hospital. Estava tão cheio e palavras, que cansava ouví-lo, mas permaneci parecendo atendo, ou esforçando-me por ser atento. É uma auto lição de respeito ao próximo, e a mim mesmo, insensível. 

Voltei para casa estranhamente cheio de alegria, apesar de tanta dificuldade deste povo, que  mostra-se forte e esperançoso.

Ao sair pelas ruas e esperar o ônibus, vejo a exterioridade das pessoas nas ruas, a indiferença, a falta de solidariedade, e lembro-me do evangelho de Domingo, que diz que a "porta do Reino de Deus é estreita", porque as pessoas não conseguem ser "justas", praticar a justiça. E, então me vem uma vontade de ver o mundo diferente, com todos em tudo compartilhando e sendo verdadeiramente amigos.

Vou continuar com este sonho, até que se realize.

Eu creio!!!!

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