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MEDITANDO "A ARGILA" DE RAUL DE LEONI

 


 

Primeiramente vamos ao poema ARGILA, que me motivou a tentar conhecer melhor quem foi Raul de Leoni.

ARGILA

 

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs na carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

 

Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranqüila...

 

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço de longe o oráculo de Elêusis),

 

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo,
E do teu ventre nasceriam deuses...

 

 

Raul de Leoni foi um poeta, e muito mais, do início do século XX, tendo vivido apenas 31 anos entre 1895 a 1926.

 Fechou-se em casa, nos últimos 3 anos de vida, por razões de tuberculose, acompanhado por solidão forçada e quem sabe desejada também. Transita entre o final do parnasianismo e o simbolismo.

Sua obra só veio a ser deveras divulgada 36 anos depois, fato natural para os poetas, de reconhecimento tardio.

Se fizer um resumo deste poema em uma só frase, afirmo que “o poema argila é um  amor platônico”, mas vamos ao texto.

Identificar-se com a outra numa argila, remete a mesma substância criada do Gênesis, talvez num reencontro desta mesma substância em uma outra forma de vida.

Chamar este reencontro de "substância rara", dá uma conotação única dentro do todo, o especial e o comum.

Raul de Leoni casou- se cedo, e certamente este amor retratado no poema não é o dele por sua esposa, num casamento onde perde o único filho com 4 anos de idade, mas uma projeção impossível. 

Podemos olhar o Rio de Janeiro de então com olhos mais libertinos, que extravasavam...”tenho a alma dos faunos na pupila”.

A beleza feminina o jogava na Grécia antiga, onde as palavras submergiam no corpo feminino...”tens legendas pagãs nas carnes claras. É visível o traço racista no verso, num Brasil recém  saído da escravidão, o que não é desculpa.

A projeção de uma Grécia ideal calma e ordeira no Brasil republicano e conflitante, remete talvez, a um saudosismo do império...”em mim a luz olímpica cintila”. Que os mais estudiosos retirem seivas disto...

O poeta dorme na porta do quarto, e não entra; sabe como transgredir, sabe que é melhor do que se encontra, mas não entra, porque é um prisioneiro da forte moralidade da época, em que ele fora deputado pelo Rio de Janeiro...”Se um dia eu fosse teu e fosses minha”.

É um poeta conservador pela ocultação do cadáver do amor, sem localizar socialmente sua origem, sua causalidade, “sem o amor que conceberia um mundo e nasceriam deuses”.

As grandes transformações esperarão, serão arrebentadas no modernismo...

Afora isso é um soneto lindissimo dos amantes e perdura como um desafio permanente. 

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