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Interessante reflexão do Professor Paulo Roberto sobre o Novo Acordo Ortográfico


PAULO ROBERTO LABEGALINI -   Escritor católico, Professor Doutor da Universidade Federal de Itajubá-MG. Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da UNIFEI.


publicado por solpaz às 16:50
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LAURENTINO SABROSA - O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO E ALGUMAS DIVAGAÇÕES A PROPÓSITO - Vl

        






Quando se diz que o povo é que faz a língua, referimo-nos, por só assim ser verdade, à linguagem falada, na sua fonética e na sua sintaxe, não na ortografia.
É evidente que esta é posterior à pronúncia e à construção da frase. Como foi fixada a pretendida correcção da grafia da palavra? Basicamente, essencialmente, por convenção. Esta palavra convenção encerra em si uma convenção : a de que se deve escrever convenção  e não convenssão . E por que não é convenssão? Porque a etimologia da palavra assim o indica. Devo dizer ao leitor, porventura menos informado que a formação das palavras não obedece sempre à etimologia – há muitas vezes intervenção de fenómenos linguísticos complexos, entre os quais os relacionados com o aparelho fonador do ser humano. A Fonética, que no seu estudo também tem em conta esse aparelho fonador, é um capítulo essencial e nada fácil, quando se quer abordar toda a estrutura de uma língua.
Se convencionarmos estabelecer uma ortografia segundo a pronúncia, então alguns milhares de palavras, para que haja uma certa lógica, devem ser alteradas. Em minha opinião, não faz muito sentido virem-nos dizer que deve ser batismo e nãobaptismo, em virtude de o p ser consoante muda, mas continuar a ser habilidade e hífen, apesar de aí termos um h como consoante muda. Quer-se fazer uma total aproximação da ortografia à pronúncia por fases? Parece. Já se escreveu herva, estando o h inicial abolido por não ser pronunciado. No entanto, continua a ser herbáceo. Vá-se lá compreender! A linguagem falada, em expressões populares, em manifestação de ideias e sentimentos, muitas vezes não tem lógica, e isso enriquece-a muito; a linguagem escrita, essa sim, talvez tivesse mais beleza e perfeição se tivesse mais lógica do que a falada. Se sempre se tivesse escrito erva e herbáceo, eu atribuía isso aos tais fenómenos linguísticos,  a que me referi; mas se me vêm dizer, ao fim de tantos anos, que herva afinal deve ser erva (sem h) mas continua a ser herbáceo (com h), eu começo a duvidar da justeza da ordem e da idoneidade de quem a dá. Portanto, para uma aproximação da ortografia à pronúncia, como parece ser preocupação do Acordo, o h inicial devia desaparecer por em português ser consoante muda. E muitas outras coisas deviam ser modificadas. Por exemplo: deve ser pessoua e abençoua, nãopessoa e abençoa; se o e soa como i, porque não ser mesmo i?; se o o soa como u, porque não ser mesmo u ?
O que é português vernáculo? O termo vernáculo tem na sua origem uma certa ideia de escravidão, ou, pelo menos, de obediência às origens, à terra, à casa em que se nasceu. Por extensão de significado, um termo é vernáculo se no seu uso, na sua grafia, obedecer à pureza com que foi formado. Será que, por exemplo, ator, fator, setor, seleção, batismo, é português vernáculo? quando no latim de que derivam, existe a consoante que o Acordo lhes roubou, e ainda continua a existir em francês, em inglês e, em certos casos, até em alemão?
Os teóricos do Acordo dizem pretender uma simplificação do idioma. Mas, na verdade, se simplificam em alguns pontos, em muitos mais complicam grandemente. A “ortografia unificada”, conforme designação oficial, estabelece que:

1) – pára (do verbo parar) passa a ser para, não se distinguindo de para (preposição)
2) – mas pôr (verbo) continua a ser pôr para se distinguir de por(preposição);
3) – forma (subst.) pode ser, forma ou fôrma, se a quisermos distinguir de forma (do verbo  formar)
4) – mas substantivos como acordo, acerto, cerca, que agora não têm acento, continuam sem acento, não havendo preocupação de os distinguir das formas verbais;
5) – pode (pretérito perf. de poder) tanto pode ser pode comopôde, conforme quisermos, embora se recomende a forma pôdepara a distinguir de pode (presente do indicat. de poder);
6) – demos (presente do conj.), poderá ser demos ou dêmos, para se distinguir de demos (pret.perf. do indicat. de dar);
7) – as formas verbais em -amos (pretérito perfeito dos verbos de tema em ar, como amar), poderão ser escritas sem acento, embora possam confundir-se com as formas verbais do presente do indicativo; assim o que agora se escreve passámos, pode ser escrito passamos, e só pelo sentido se pode saber se é presente ou não : “nós passamos”, é agora ou foi há duas horas?
8) – são abolidos os acentos de palavras graves com ditongo emoi; assim, passa a ser
joia e  boia – mas a verdade é que vai custar bastante não ler  aquele oi como na palavra boi .

(continua)

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