PAPELÃO SOCIAL
Sinto frio,
recolho-me num papelão
embaixo de uma marquise,
protegendo-me...
Chovem distâncias...
Tornei-me
objeto de rejeição
de todos.
Por que não morre?
Por que está aqui?
É um inútil!
Acusam-me de manchar
a ordem das coisas,
estragar a beleza
dos ambientes,
atrapalhar o comércio...
Sou expulso
dos lugares,
périplo repetido
de sobrevivência...
da praça para a rodoviária,
da rodoviária para a praia,
da praia para um beco,
do beco a praça,
rodízio de estacões,
viagem permanente
de sobrevivência,
driblando
o esquecimento
dos poderosos.
Retirei de mim
toda sorte de orgulho
para manter-me vivo,
já quase
não me visto,
não me banho,
faço a barba.
Os que passam
por mim,
apertam o passo,
se afastam..
Tornei-me mais
que oprimido...
um repugnante,
sequer me tocam.
Tenho feridas expostas,
ninguém faz um curativo...
Estão todos
muito bem,
escondidos
em suas estruturas,
se bastam,
castelos de areia,
iguais aos das criancas
nas praias,
ao final
são desfeitos
nada resta
de tudo
construído.
Aprendi a rezar
melhor que o padre,
mais alto que o pastor,
sinto-me ouvido,
nada material
ou físico,
nada visível,
mas real
Sigo deitado
embaixo
de uma marquise,
nos bancos
das pracas,
praias
onde me esquecerem...
chuva permanente
de exclusão,
contraponto da ordem...
Quem me vê
não dá nada,
não valho
um tostão...
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