Pular para o conteúdo principal

A barbárie de bibliotecas queimadas


Retirado do Zenit
Extremistas incendiaram e destruíram duas bibliotecas de Timbuktu, onde estavam guardados antigos manuscritos na língua árabe.
Por Valentina Colombo
04 de Fevereiro de 2013 (Zenit.org) - Os franceses expulsaram os extremistas islâmicos, mas os danos causados deixarão por muito tempo uma longa cicatriz aberta. O patrimônio cultural do Mali foi provado duramente, e em alguns casos, destruído para sempre.
Um dos primeiros sinais de alerta provenientes do Mali foi de Agosto passado quando extremistas islâmicos do grupo Ansar al-Din (“os auxiliares da fé”) começaram a destruir os templos Sufis no norte do país.
Por ocasião daqueles trágicos acontecimentos do ataque aos símbolos religiosos do Mali, um adepto do Instituto Superior de Estudos e Pesquisa islâmica “Ahmed Baba” de Timbuktu prometia proteger com todas as forças os manuscritos custodiados pela instituição: “Se a biblioteca for destruída, tudo está perdido. Tudo. A nossa história, a nossa identidade cultural, a nossa identidade. Seria uma perda total”.
Bem, os extremistas islâmicos ligados à Al-Qaeda, não só não pouparam a biblioteca de Ahmed Baba, mas também outra biblioteca histórica da capital. Os manuscritos queimados são na sua maioria em língua árabe e de argumento principalmente religioso.
No site do  Tombouctou Manuscripts Project (www. tombouctoumanuscripts.org) pode-se ter uma ideia do tesouro inestimável que foi perdido, assim como da importância do livro e dos manuscritos na história da cidade: "O século XVI viu Timbuktu chegar à própria época de ouro, seja do ponto de vista da política que intelectual".
Os livros sempre foram uma parte importante do patrimônio cultural local onde os manuscritos eram copiados e vendidos. No século XVI Timbuktu, com as suas 150 escolas corânicas, é um dos centros mais importantes para o comércio dos livros. Ahmed Baba (1556-1627), a quem foi dado o nome de uma das bibliotecas incendiadas, costumava dizer que a sua biblioteca, que contava com 1600 obras, era uma das mais modestas da cidade.
O que tem acontecido nos últimos meses, deve levar à reflexão. O que aconteceu com um país que, em 2003, foi descrito pelo Departamento de Estado dos EUA como "uma jovem democracia, aberta à liberdade de imprensa e livre de violações dos direitos humanos"? Hoje o mesmo Departamento de Estado indica o perigo da presença de mesquitas wahabitas, da pregação extremista não só no Mali, mas em toda a África subsaariana.
Em uma área onde o Islã sempre foi representado por sua expressão Sufi ou seja mística, está se espalhando rapidamente uma ideologia que vê o sufismo como descrença, como heresia que deve ser combatida. O wahhabismo vê na aspiração do Sufi de unir-se e fundir-se com Deus por meio da oração um ato de politeísmo e de infidelidade, vê na crença e no recurso aos santos, parte fundamental do misticismo islâmico, mais um ato de incredulidade. Assim, no Mali e em países vizinhos está acontecendo uma guerra interna toda islâmica entre duas visões diametralmente opostas da mesma religião.
O ataque cruel a pessoas e ao patrimônio cultural e religioso esclarece perfeitamente que o islamismo radical não distingue entre muçulmanos e não-muçulmanos, mas somente entre si mesmo e o Outro, que o islamismo radical reconhece somente a cultura islâmica ortodoxa e não a diversidade do islã e dos muçulmanos.
A destruição das valiosas bibliotecas de Timbuktu confirma a miopia, a rigidez do wahabismo, que nega a chamada que lemos no Alcorão desde os primeiros versos revelados: "Recite. O seu Senhor é o Mais Generoso, ensinou o uso do cálamo, ensinou ao homem o que ele não sabia "(Alcorão XCVI).
As hordas de radicais islâmicos querem destruir o passado, o presente e o futuro, promovendo uma ideologia na qual impera o lema “pensar é ilícito”. Somente uma batalha cultural, dirigida a custodiar o passado, poderá salvar o mundo islâmico da barbárie que leva à destruição de tesouros arquitetônicos e de bibliotecas em nome do próprio Islã.
Somente uma chamada para respeitar o outro poderá salvar os muçulmanos da implosão por mãos de "criminosos" que promovem a ignorância tão vituperada no Islã e a paralisia mental de um mundo que nos deu intelectuais como Averroe e Avicena e escritores que não têm nada a invejar do nosso Dante e Petrarca.
Que os fatos do Mali ajudem o Ocidente a abrir os olhos e começar projetos culturais dirigidos a redescobrir e preservar a parte melhor do mundo islâmico ou a parte que os extremistas islâmicos, seja jihadistas seja os mais “moderados” Irmãos muçulmanos, gostariam de destruir, uns com as chamas e outros com a censura em nome do Islã, para tomar posse da mente das gerações futuras.
Que o Ocidente e o mundo muçulmano tenham sempre em mente as palavras de Jahiz, um dos maiores intelectuais do mundo árabe que viveu no século VIII: "Você culpa o livro! Mas que maravilhoso tesouro é! Quanta independência te deixa! Que amigo! Quantas munições te oferece! Quantas informações e que maravilhosa visão! Que prazer e que trabalho! Que familiar doce e gentil quando estás sozinho! Como amigo quando você está no exílio! Está perto de você e ao mesmo tempo distante, ministro e hóspede ao mesmo tempo! Um livro é um recipiente cheio de conhecimento, um recipiente transbordando refinamento e um vaso de seriedade e ironia!"
Ainda há tempo e a solução não está em outro lugar, mas na mesma tradição árabe-islâmica.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Soneto de Dom Pedro Casaldáliga

Será uma paz armada, amigos, Será uma vida inteira este combate; Porque a cratera da ... carne só se cala Quando a morte fizer calar seus braseiros. Sem fogo no lar e com o sonho mudo, Sem filhos nos joelhos a quem beijar, Sentireis o gelo a cercar-vos E, muitas vezes, sereis beijados pela solidão. Não deveis ter um coração sem núpcias Deveis amar tudo, todos, todas Como discípulos D'Aquele que amou primeiro. Perdida para o Reino e conquistada, Será uma paz tão livre quanto armada, Será o Amor amado a corpo inteiro. Dom Pedro Casaldáliga

UM CORPO ESTENDIDO NO CHÃO

 Acabo de vir do Largo de Pinheiro. Ali, na Igreja de Nossa Senhora de M Montserrat, atravessa  a Cardeal Arcoverde que vai até a Rebouças,  na altura do Shopping Eldorado.   Bem, logo na esquina da igreja com a Cardeal,  hoje, 15/03/2024, um caminhão atropelou e matou um entregador de pão, de bike, que trabalhava numa padaria da região.  Ó corpo ficou estendido no chão,  coberto com uma manta de alumínio.   Um frentista do posto com quem conversei alegou que estes entregadores são muito abusados e que atravessam na frente dos carros,  arriscando-se diariamente. Perguntei-lhe, porque correm tanto? Logo alguém respondeu que eles tem um horário apertado para cumprir. Imagino como deve estar a cabeça do caminhoneiro, independente dele estar certo ou errado. Ele certamente deve estar sentindo -se angustiado.  E a vítima fatal, um jovem de uns 25 anos, trabalhador, dedicado,  talvez casado e com filhos. Como qualquer entregador, não tem direito algum.  Esta é minha cidade...esse o meu povo

Homenagem a frei Giorgio Callegari, o "Pippo".

Hoje quero fazer memória a um grande herói da Históra do Brasil, o frei Giorgio Callegari. Gosto muito do monumento ao soldado desconhecido, porque muitos heróis brasileiros estão no anonimato, com suas tarefas realizadas na conquista da democracia que experimentamos. Mas é preciso exaltar estas personalidades cheias de vida e disposição em transformar o nosso país numa verdadeira nação livre. Posso dizer, pela convivência que tive, que hoje certamente ele estaria incomodado com as condições em que se encontra grande parte da população brasileira,  pressionando dirigentes e organizando movimentos para alcançar conquistas ainda maiores, para melhorar suas condições de vida. Não me lembro bem o ano em que nos conhecemos, deve ter sido entre 1968 e 1970, talvez um pouco antes. Eu era estudante secundarista, e já participava do movimento estudantil em Pinheiros (Casa do estudante pinheirense - hoje extinta), e diretamente no movimento de massa, sem estar organizado em alguma escola,