Sexta, 16 de janeiro de 2015
“Os atos de terrorismo que ensangüentam o Oriente Médio e a Europa não
são fruto de um choque de civilizações. Esta é, acima de tudo, uma guerra
interna ao Islã.
É, além disso, a resposta
errada e dramática de uma parte
do Islã à modernidade, aos problemas econômicos, morais, culturais que
o desenvolvimento
coloca. No mundo muçulmano esta reflexão ainda não
foi feita.
Fala o padre Pierbattista
Pizzaballa, que em abril completa 50 anos,
o franciscano Custode da Terra Santa há onze anos, isto
é, herdeiro da
capacidade de encontro instaurada pelo Santo de Assis como o
Saladino
: a outra face em relação às Cruzadas.
A reportagem é de Marco Garzonio, publicada pelo jornal Corriere
della Sera,
15 de janeiro de 2015.
Eis a entrevista.
Netanyahu e Abu Mazen em primeira fila na marcha de Paris.
Uma
circunstância ditada por um evento particular ou o indício de
uma mudança nas
relações entre Israel e Palestina?
Não me parece que soprem ventos de mudança. A força dos eventos os
obrigou a estarem em Paris. Mas, as relações entre Israel e os palestinenses
não
mudaram, infelizmente. As eleições que haverá daqui a alguns meses
impõem uma espera. Entender-se-á depois.
Hamas condenou os ataques terroristas na França: uma tomada de
distância
após o aplauso ao assassinato de 4 rabinos na sinagoga?
É uma tomada de posição curiosa. Somente o tempo dirá se mudou a
estratégia ou se foi um episódio isolado. Permaneço um tanto frio.
Frequentemente há no Oriente Médio duas faces: uma política interna e a
necessidade de conquistar crédito internacional.
Os ataques de Paris mudarão o modo de pensar ocidental sobre os
conflitos que ensanguentam o Oriente Médio?
Não são os primeiros ataques
terroristas de matriz islâmica na Europa.
Se pense em Madri, em Londres, na própria França. A novidade é
o
impacto sobre a opinião pública. Estão se determinando as condições
para que
a Europa realize uma ação
de esclarecimento
sobre algumas
palavras deixadas na ambiguidade. A palavra integração. O que
significa?
Há valores no centro da convivência. Os direitos fundamentais da
pessoa:
liberdade de consciência, igualdade homem-mulher, dignidade e papel
da
mulher, liberdade de cultura, de expressão, legislação sobre o trabalho,
distinção entre
política e religião e assim por diante. Quem vem à Europa
não pode pô-las em
discussão. A Europa deve
clarear a própria
identidade,
sabendo que, para poder integrar, deve definir com clareza
os pontos
firmes irrenunciáveis.
Dizia Martini que haverá paz no mundo quando houver paz em
Jerusalém. É
somente um paradoxo?
Jerusalém tem um valor simbólico altíssimo e,
simultaneamente, uma
rede de relações e interdependências muito estreitas com o
mundo.
As tensões que são expressões daquelas mundiais. E vice-versa.
Se aqui
se dialoga, se pode reverberar sobre o planeta uma capacidade
de encontro.
Na mobilização de Paris há somente a Europa das luzes que
defende a
liberdade de manifestar as próprias idéias, ou também
a Europa que se inspira
no solidarismo cristão dos grandes
líderes do pós-guerra?
A Europa de hoje é diferente dos momentos que a viram nascer.
Não sei
quanto o solidarismo de inspiração cristã anima hoje o Velho
Continente. Basta
ver como se enfrentou o tema da imigração, as
salvações no mar e as políticas
coligadas. Por certo o que aconteceu
em Paris tem movido novas dinâmicas, a
partir da necessidade de
coordenar-se para responder ao terrorismo.
Portanto pôs em ação somente um mecanismo que garanta
a ordem pública?
Esta é uma parte. Há uma Europa que não faz notícia e trabalha para a
integração, uma rede de movimentos, voluntários, iniciativas. Olhamos
para tal
Europa, que conta mais de quanto não se creia.
Você está em contato com os cristãos de todas as confissões
em Israel,
no Egito, na Síria, Jordânia, Iraque, Líbano.
Que situações encontra?
São países diversíssimos entre si. Israel não é como a Síria e o Iraque.
O Egito, hoje mais tranquilo, oferece
aspectos e dinâmicas interessantes
e vivazes. Penso no importante discurso do
presidente Sisi da universidade
Al Azhar. Em geral vejo uma debilidade
institucional difusa. Por certo encontro
situações humanas dramáticas, mas descubro
também tanta solidariedade,
além de uma humanidade negativa. Estive em Aleppo.
É uma cidade há
dois anos sob assédio. Permaneceu quem não sabe aonde ir.
Não
há água e a concessão de um pouco de eletricidade depende dos rebeldes.
No
entanto, o imã e o pároco se ajudam. Os jesuítas distribuem 10 mil almoços
ao
dia e jovens voluntários, cristãos e muçulmanos, os levam a quem
deles
necessita. Há tantas
realidades das quais a mídia não fala.
São o contrapeso ao fanatismo e às
decapitações.
Muitos cristãos afirmam que estavam melhor sob Saddam e Mubarak,
que
gozavam de maior liberdade e proteção: tal juízo tem fundamento?
Tratava-se de regimes ditatoriais, que por certo não serei eu a
defender.
Mas, a elas sucederam ditaduras piores, a começar pelo fundamentalismo.
Que coisa da Isis atrai os jovens europeus?
Não sei explicar como o fanatismo possa atrair. Muitos falam de jovens
desesperados que vem das periferias onde não há nada. Mas, depois
veja que
também acorrem pessoas instruídas e te perguntam se não
há aí um problema de formação, a incapacidade
de habituar os jovens,
desde a escola, a pensar, confrontar-se, problematizar. A Europa e,
sobretudo o Oriente
Médio deve enfrentar o tema da educação.
No Oriente Médio, entre as pessoas, não se advertem reações de
tipo
humano a torturas e execuções?
Sim, há uma reação, mas nos encontros pessoais. Eu esperava mais
firmeza
da parte da mídia no Oriente Médio. Talvez algo se mova. Penso
nas reações aos
atentados de Paris e ao mundo que os exprime da pare
de Al Azhar,
a universidade religiosa do Cairo, referência importante
para o Islã”.
O Papa foi o primeiro a evocar a imagem de “terceira guerra mundial”.
Que elementos sugeriram ao Pontífice aquela intuição?
O Papa tem uma visão de conjunto sobre a realidade mundial que
poucas
pessoas podem ter. Ele captou a mudança epocal e, nisso,
a violência que o
habita como nódulo. O fanatismo,
o dizer ‘eu estou
no que é certo; ou te tornas como nós, ou deves desaparecer’.
Depois,
conforme as situações, no Oriente Médio se terá Isis e na África
Boko Haram.
É um retorno ao ponto mais obscuro de séculos passados.
O Papa convidou a uma prece comum judeus, cristãos, muçulmanos.
Dizem
que ele tenha sido regista. Podem fazem algo pela paz
as três religiões do
Livro?
Podem fazer muitíssimo. Mas, falamos de religiosos, não de religiões,
palavra abstrata. Os religiosos, no interior dos seus mundos, devem ter
claro o
papel da experiência religiosa, as relações com Deus e entre
elas e os homens e
entre os homens, evitando
absolutizações que
levam
aos fanatismos. Neste contexto é principalmente o Islã que tem um
pesado
trabalho a fazer a propósito. A imagem de religiosos que dialogam entre
si é hoje essencial. Não
podemos ficar apenas com a imagem que nos
transmitem os fundamentalismos.
A Europa deve agora fazer as contas com a deriva anti-semita.
A
comunidade judaica francesa se dividiu, as comunidades cristãs
do Oriente Médio
emigram. Em alguns países da Europa os
muçulmanos atingem a metade da
população.
O que está acontecendo?
É preciso olhar o mundo em transformação e estes deslocamentos
sem
apavorar-se. Termina uma época, mas não o mundo.
As discriminações contra as
minorias são o apara-sol da nossa
cegueira e dos nossos medos. Acreditávamos que o
anti-semitismo
tivesse terminado após as ferocidades do nazismo e reduzimos
nossa atenção.
Infelizmente existe ainda o preconceito anti-judaico
e é combatido. É preciso distinguir os aspectos
político e religioso.
Se pode não compartilhar da política do Estado de Israel, mas tal
avaliação não
pode assumir conotações anti-judaicas ou ser pretexto
para alimentar formas de
anti-semitismo.
Existe um Islã moderado ou falar nisso exorciza o medo?
Islã moderado é uma expressão
muito européia. Responde às
nossas necessidades de simplificação.
Devemos aprender a
conhecer
melhor o Islã, que é uma realidade muito complexa.
Certamente se requer um grande esforço da
parte do Ocidente.
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