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O Antônio, Sanfoneiro

Era período da ditadura militar, 1976 mais precisamente.

Eu era recém formado, casado de novo, já com uma filha, e um bom emprego, que acabara de perder, por militar no Sindicato, Senalba.

Trabalhava como Orientador Social do SESC.

Curiosamente o Sindicato provocara o aceleramento de minha demissão, ao sugerir, e o fiz prontamente, que escrevesse artigos em defesa dos funcionários desta entidade patronal dissimulada.

Queriam me provar se eu não era algum representante patronal infiltrado por lá.

Com minha demissão, também não fizeram nenhum esforço por manter-me.

Nunca os condenei, ao contrário, compreendo-os e os tenho em meu coração com muito carinho até hoje, como grandes amigos, o  Everaldo, Pedreira, o Paladino.


Isto não importa, o que interessa é que tinha saído em campanha eleitoral para vereador em São Paulo, sem dinheiro e contra a vontade do cacique do PMDB do bairro, Roberto Cardoso Alves.

Hoje falecido, Roberto me oferecera um cargo de assessor e juntar-me a ele.

Não aceitei pois  considerava seus pensamentos muito diferentes dos meus, libertários, como até hoje me considero.

Conseguira a vaga, por intermédio de Orestes Quércia, que disputava com Montoro a hegemonia no partido (e Roberto Cardoso Alves era ligado a Montoro), e tinha interesse objetivo em dividir o diretório das Perdizes onde eu pertencia.

Bem história à parte, gosto de lembrar das raladas que fazia, isto é sair às ruas pedindo votos, desde cedo da manhã, nos pontos de ônibus do Parque D.Pedro até a noitinha.

Chegava cansado e não dormia, despencava na cama.

Por vezes acordava no meio da noite, com o telefone tocando.

Eram ameaças de morte a mim e a minha família.

Um cabo eleitoral que me ajudava, e o guardo com carinho na memória, o Marcos, rapaz do interior do Estado, chegou a ser sequestrado, e durante o tempo que ficara no carro com os fascistas, esmurraram-lhe o braço direito até ficar com "sangue parado", aquelas manchas escuras por dentro da pele.

Diziam-lhe que ele iria ver como a direita era forte, e esmurravam-lhe o braço direito.

Marcos acabou se decepcionando com meu radicalismo. e foi embora para outro político.

Ele queria um lugar de trabalho e viu que comigo não conseguiria, porque eu ficava cada vez mais longe de acordos e queria mudanças profundas.

Acompanhava-me nas caminhadas diárias um sanfoneiro, chamado Antônio.

Não ganhava nada, e dividíamos o que tínhamos para comer.

Eu ia na frente, e ele tocando a sanfona atrás, chamando a atenção do povo, que ouvia e vinha, ocasião em que eu abordava as pessoas e fazia propaganda política da campanha.

Antônio acompanhou-me até a votação.

Fui muito bem votado, 14.500 votos aproximadamente, na capital de São Paulo.

Infelizmente o último colocado elegeu-se, em 1976, com uns 32.000 votos.

Era o bipartidarismo, e era necessário muito voto para eleger-se.

Minha frustração fôra tão grande com a derrota, que decidira largar da política parlamentar e seguir outro caminho.

De fato, nunca consegui largar este caminho.

Mas Antônio, o sanfoneiro, sentiu o baque, e desapareceu.

Grande pessoa.

Arrependo-me de nunca ter pedido o seu endereço ou telefone.

Ficou no passado.

Período heróico: eu com um punhado de papéis nas mãos contra a ditadura, e um sanfoneiro atrás, tocando, chamando o povo.

Comentários

Caro João Paulo, gostei de saber dessas coisas da tua vida. Eu só sabia que você tinha se candidatado certa vez, mas não tive nunca mais detalhes. Hoje foi o dia de saber da tua luta por um lugar na política nos idos do período militar.

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