Pular para o conteúdo principal

O GARLINDO



Não! As pessoas não se apercebem que tem ódio... 

Por alguns anos moramos, eu e minha esposa, na Barra Funda, esquina da Lopes Chaves com Sérgio Meira, em um pequeno apartamento, vivenciando, anos mais tarde, o ambiente já carcomido, onde viveu Mario de Andrade. 
Por vezes ia a pé até o Metrô que fica na Praça Marechal Deodoro, transformada em dormitório e ponto de encontro do povo da rua, mais lojistas, moradores... 
Seguindo a Lopes de Oliveira passava, frequentemente,  diante de uma pequena loja de conserto de eletrodomésticos. 
Era quase uma garagem, um pouco maior. 
O  dono, um senhor simples, de meia idade, recebia todo tipo de eletrodoméstico que lá ficavam empilhados esperando o dia do conserto, sabe-se lá quando. 
Fazia permutas também e vendia outros, reformados. 
Havia ganho de presente um pintinho, e não sabendo muito como fazer, foi dando-lhe as migalhas do almoço e dos lanches. 
Assim cresceu um galo esbelto e charmoso. 
O dono, de tanto admirá-lo, decidiu chamá-lo de Garlindo, porque era um muito bonito. 
Era inusitado passar ali, numa região movimentada e observar, entre os cães e gatos, um galo passeando pela calçada. 
Garlindo tornou-se muito querido pelos moradores do lugar. Não dava muita bola para as pessoas, mas também não se intimidava e convivia bem no meio da multidão. 
Dormia na garagem, em meio aos eletrodomésticos, e o dono não se importava quando aparecia, aqui e ali um sujeirinha, logo removida. 
Um dia, como crescesse o serviço, este homem contratou um funcionário para ajudá-lo no serviço. Era um período de progresso. 
Passando pela calçada, uma ocasião, percebi que o Garlindo não se encontrava. 
Chamei o proprietário para perguntar-lhe do galo. 
Este, muito choroso contou-me que o seu funcionário havia dado um pontapé no Garlindo que estava muito mal. 
Havia até despedido o funcionário. 
Pedi que me trouxesse o Garlindo, e prontamente o pegou trazendo-o pelo colo. Estava todo machucado. 
Acariciei-lhe a cabeça e o Garlindo fechou os olhos com o passar de minha mão. 
Roguei a Deus pela vida  daquele inofensivo animal, mas não teve jeito. 
Morreu no dia seguinte...
Como é fácil fazer alguém perder a esperança na Humanidade! Como apenas uma pessoa, bronca, sem lar, pode ser gratuitamente má. 
Guardo esta lembrança não sem uma revolta contra os pobres de si mesmos, os desvalidos de si mesmos, os ignorantes mais profundos, por sentirem-se bem nesta condição sub-humana, e não se disporem a ver a vida e a sua beleza. 
Observo como o Deus não deve sentir-se com tudo isto, e calar-se, em respeito à liberdade que deu aos homens.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como devia estar a cabeça de Mário de Andrade ao escrever este poema?

Eu que moro na Lopes Chaves , esquina com Dr.Sérgio Meira, bebendo atrasado do ambiente onde Mário de andrade viveu, e cuja casa é hoje um centro cultural fechado e protegido a sete chaves (que ironia) por "representantes" da cultura, administrada pela prefeitura... Uma ocasião ali estive, e uma "proprietária da cultura" reclamou que no passado a Diretoria da UBE - União Brasileira de Escritores, da qual fiz parte,  ali se reunia, atrapalhando as atividades daquele centro(sic). Não importa, existem muitos parasitas agarrados nas secretarias e subsecretarias da vida, e quero distância desta inoperância. Prefiro ser excluído; é mais digno. Mas vamos ao importante. O que será que se passava na cabeça do grande poeta Mário de Andrade ao escrever "Quando eu morrer quero ficar". Seria um balanço de vida? Balanço literário? Seria a constatação da subdivisão da personalidade na pós modernidade, ele visionário modernista? Seria perceber São Paulo em tod...

O POVO DE RUA DE UBATUBA

 Nos feriados, a cidade de Ubatuba dobra o seu número de habitantes. Quando isso acontece, logo retiram os moradores em situação de rua, de seus locais, porque consideram que estes prejudicam a "imagem" da cidade. A questão é que os moradores de rua somente são lembrados quando são considerados prejudiciais à cidade. Não existe em Ubatuba uma política de valorização do povo de rua, capaz de diagnosticar o que impede eles de encontrar saídas dignas para suas vidas. Não existe sequer um local de acolhimento que lhes garanta um banho, uma refeição e uma cama. Saio toda semana para levar comida e conversar com eles.  Alguns querem voltar a trabalhar, mas encontram dificuldade em conseguir, tão logo sabem que eles vivem na rua e não possuem moradia fixa. Outros tem claro problema físico que lhes impede mobilidade. Outros ainda, convivem com drogas legais e ilegais.  O rol de causas que levaram a pessoa viver na rua é imenso, e para cada caso deve haver um encaminhamento de sol...

PEQUENO RELATO DE MINHA CONVERSÃO AO CRISTIANISMO.

 Antes de mais nada, como tenho muitos amigos agnósticos e ateus de várias matizes, quero pedir-lhes licença para adentrar em seara mística, onde a razão e a fé ora colidem-se, ora harmonizam-se. Igualmente tenho muitos amigos budistas e islamitas, com quem mantenho fraterna relação de amizade, bem como os irmãos espíritas, espiritualistas, de umbanda, candomblé... Pensamos diferente, mas estamos juntos. Podemos nos compreender e nos desentender com base  tolerância.  O que passo a relatar, diz respeito a COMO DEIXEI DE SER UM ATEU CONVICTO E PASSEI A CRER EM JESUS CRISTO SEGUINDO A FÉ CATÓLICA. Bem, minha mãe Sebastiana Souza Naves era professora primária, católica praticante,  e meu pai, Sólon Fernandes, Juiz de Direito, espírita. Um sempre respeitou a crença do outro. Não tenho lembrança de dissensões entre ambos,  em nada; muito menos em questões de religião. Muito ao contrário, ambos festejavam o aniversário de casamento, quando podiam, indo até aparecida d...