Pular para o conteúdo principal

Reflexões esquisofrênicas


Não consigo escrever poemas por lógica, por decisão.
Assalta-me o pensamento vindo dos abismos interiores, e inicio uma tradução não verbal, até adquirir letra.
Não convida, impõe, não pede licença, interrompe.
Apresenta talento que desconheço em mim mesmo, e surpreendo-me.
Não é estranho, mas não se submete à minha realidade.
Emerge como se me visse íntegro.
Aceito de bom grado este eu escondido, remoendo vísceras, estancando hemorragias, antenando canais interiores.
Acostumei-me a estas delícias.
Fazem o contraponto de minhas quimeras cheias de incensos e ambrosia.
Atinge o batimento cardíaco regando compassadamente o cérebro.
Vem quando quer e como quer.
Às vezes é raro, nunca tardio; outras, um aluvião (e eu observando atônito).
Acontece, simplesmente, sem sinos, relógios, em plena cama, no carro, boteco, vaso sanitário, cheio de movimentos peristálticos.
Não pede livros, não se arroja em querer ser conhecido, não me interroga.
Apenas vem.
Posso recusá-lo, mas conto nos dedos as ocasiões de tanta desfaçatez.
De vez em quando consigo reuní-los num corpo único, e lanço sem pretenções.
Dois ou três já me alegram o compartilhamento, ainda mais, se entronizam e saboreiam.
Da mesma forma que vem, vai.
Passa meses ou ano embutido, no meu subconsciente, ou sei lá onde de mim, mas não está morto.
Despreza (nunca me disse) a forma como vivo, e a trata-me como a um afogado, tentando ressuscitar-me.
Faz o contraponto do que nunca serei.
Por isso o admiro pelo inusitado esforço de vir à tona.
Somo irmãos, desconhecidos e sem convívio.
Ele lá, eu aqui.
Ele noite, eu dia.
Não nos confrontamos, mas nos respeitamos.
Sou eu que não me conheço nele.
E ele quem me conhece por rejeição.
Postado num diálogo com outro eu e o João Paulo Naves Fernandes

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como devia estar a cabeça de Mário de Andrade ao escrever este poema?

Eu que moro na Lopes Chaves , esquina com Dr.Sérgio Meira, bebendo atrasado do ambiente onde Mário de andrade viveu, e cuja casa é hoje um centro cultural fechado e protegido a sete chaves (que ironia) por "representantes" da cultura, administrada pela prefeitura... Uma ocasião ali estive, e uma "proprietária da cultura" reclamou que no passado a Diretoria da UBE - União Brasileira de Escritores, da qual fiz parte,  ali se reunia, atrapalhando as atividades daquele centro(sic). Não importa, existem muitos parasitas agarrados nas secretarias e subsecretarias da vida, e quero distância desta inoperância. Prefiro ser excluído; é mais digno. Mas vamos ao importante. O que será que se passava na cabeça do grande poeta Mário de Andrade ao escrever "Quando eu morrer quero ficar". Seria um balanço de vida? Balanço literário? Seria a constatação da subdivisão da personalidade na pós modernidade, ele visionário modernista? Seria perceber São Paulo em tod...

O POVO DE RUA DE UBATUBA

 Nos feriados, a cidade de Ubatuba dobra o seu número de habitantes. Quando isso acontece, logo retiram os moradores em situação de rua, de seus locais, porque consideram que estes prejudicam a "imagem" da cidade. A questão é que os moradores de rua somente são lembrados quando são considerados prejudiciais à cidade. Não existe em Ubatuba uma política de valorização do povo de rua, capaz de diagnosticar o que impede eles de encontrar saídas dignas para suas vidas. Não existe sequer um local de acolhimento que lhes garanta um banho, uma refeição e uma cama. Saio toda semana para levar comida e conversar com eles.  Alguns querem voltar a trabalhar, mas encontram dificuldade em conseguir, tão logo sabem que eles vivem na rua e não possuem moradia fixa. Outros tem claro problema físico que lhes impede mobilidade. Outros ainda, convivem com drogas legais e ilegais.  O rol de causas que levaram a pessoa viver na rua é imenso, e para cada caso deve haver um encaminhamento de sol...

PEQUENO RELATO DE MINHA CONVERSÃO AO CRISTIANISMO.

 Antes de mais nada, como tenho muitos amigos agnósticos e ateus de várias matizes, quero pedir-lhes licença para adentrar em seara mística, onde a razão e a fé ora colidem-se, ora harmonizam-se. Igualmente tenho muitos amigos budistas e islamitas, com quem mantenho fraterna relação de amizade, bem como os irmãos espíritas, espiritualistas, de umbanda, candomblé... Pensamos diferente, mas estamos juntos. Podemos nos compreender e nos desentender com base  tolerância.  O que passo a relatar, diz respeito a COMO DEIXEI DE SER UM ATEU CONVICTO E PASSEI A CRER EM JESUS CRISTO SEGUINDO A FÉ CATÓLICA. Bem, minha mãe Sebastiana Souza Naves era professora primária, católica praticante,  e meu pai, Sólon Fernandes, Juiz de Direito, espírita. Um sempre respeitou a crença do outro. Não tenho lembrança de dissensões entre ambos,  em nada; muito menos em questões de religião. Muito ao contrário, ambos festejavam o aniversário de casamento, quando podiam, indo até aparecida d...