Pular para o conteúdo principal

Carta de um condenado



Retirei do Zenit
O inferno do ponto de vista de um condenado
Por Edson Sampel
SãO PAULO, 08 de Janeiro de 2013 (Zenit.org) - “Meu nome é Fulano de Tal. Estou no inferno, ou melhor, sou no inferno, porque se trata de uma condição permanente. Que horror! Não adianta rezar por mim. Na situação perene em que me encontro, não há mais esperança. A propósito, vi uma placa na porta do inferno, com os seguintes dizeres escabrosos, escritos em italiano: “Lasciate ogne speranza, voi ch’ intrate!”: “Deixai toda esperança, vós que entrais!” (Divina Comédia, canto III, 9).
Os que padecemos neste estado não podemos nos comunicar com os que  padecem no purgatório ou com os que ainda vivem (Lc 16,26). Mandei esta carta, sub-repticiamente, por um foguete.
Ouço choro e ranger de dentes o “tempo”*  todo (Mt 8,12). Mas, o que mais me atormenta é a saudade de Deus, por este motivo, também choro e ranjo meus dentes. Vêm-me à mente as palavras de santo Agostinho: “Fizeste-nos para ti, Senhor, e nosso coração estará inquieto, enquanto não encontrar em ti descanso.” (Confissões, livro I, cap. 1). O inferno é a angústia da ausência de Deus.
Nem sequer posso me arrepender, pois, no momento de minha morte, minha vontade petrificou-se no mal, no pecado. Os anjos que nos atenazam, conhecidos como demônios, são milhões, bilhões, talvez.
Há um fogo inexaurível que nos queima a todos os réprobos ininterruptamente. Não é um fogo simbólico ou imaterial; é um fogo mesmo, que incinera, porém, não aniquila o corpo.
Percebo que o estado de inferno não começou com meu óbito. Ainda quando estava vivo, o inferno se instalou no meu dia a dia, muito mais do que o céu ou o purgatório. Tolamente, acreditava que só se pecava por ação: matando alguém, roubando, ferindo etc. Dizia a mim mesmo e aos meus contemporâneos: não faço mal a ninguém. Que engano ledo, mas catastrófico! Mea culpa! Se sou torturado neste estado horripilante, isto se deve igualmente ao bem que eu não fiz. Jesus estava na prisão; não o visitei. Ele estava doente; não fui ao hospital para confortá-lo. Deparou-se-me completamente nu na minha frente; entretanto, não o vesti. Esteve com fome, com sede; contudo, eu não o alimentei. Era um imigrante; não o acolhi (Mt 25, 31-46). Não imaginava que minha omissão fosse já o inferno na terra, malgrado eu vivesse bastante infeliz, cerrado no meu egoísmo.
A Igreja sempre me ensinou o caminho do céu. Desafortunadamente, fiz ouvidos moucos ao magistério dos papas e dos bispos. Que pena! E é propriamente uma pena o que sofro neste estado sem fim.”
Edson Luiz Sampel é Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano. Membro da União dos Juristas Católicas de São Paulo (Ujucasp).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como devia estar a cabeça de Mário de Andrade ao escrever este poema?

Eu que moro na Lopes Chaves , esquina com Dr.Sérgio Meira, bebendo atrasado do ambiente onde Mário de andrade viveu, e cuja casa é hoje um centro cultural fechado e protegido a sete chaves (que ironia) por "representantes" da cultura, administrada pela prefeitura... Uma ocasião ali estive, e uma "proprietária da cultura" reclamou que no passado a Diretoria da UBE - União Brasileira de Escritores, da qual fiz parte,  ali se reunia, atrapalhando as atividades daquele centro(sic). Não importa, existem muitos parasitas agarrados nas secretarias e subsecretarias da vida, e quero distância desta inoperância. Prefiro ser excluído; é mais digno. Mas vamos ao importante. O que será que se passava na cabeça do grande poeta Mário de Andrade ao escrever "Quando eu morrer quero ficar". Seria um balanço de vida? Balanço literário? Seria a constatação da subdivisão da personalidade na pós modernidade, ele visionário modernista? Seria perceber São Paulo em tod...

O POVO DE RUA DE UBATUBA

 Nos feriados, a cidade de Ubatuba dobra o seu número de habitantes. Quando isso acontece, logo retiram os moradores em situação de rua, de seus locais, porque consideram que estes prejudicam a "imagem" da cidade. A questão é que os moradores de rua somente são lembrados quando são considerados prejudiciais à cidade. Não existe em Ubatuba uma política de valorização do povo de rua, capaz de diagnosticar o que impede eles de encontrar saídas dignas para suas vidas. Não existe sequer um local de acolhimento que lhes garanta um banho, uma refeição e uma cama. Saio toda semana para levar comida e conversar com eles.  Alguns querem voltar a trabalhar, mas encontram dificuldade em conseguir, tão logo sabem que eles vivem na rua e não possuem moradia fixa. Outros tem claro problema físico que lhes impede mobilidade. Outros ainda, convivem com drogas legais e ilegais.  O rol de causas que levaram a pessoa viver na rua é imenso, e para cada caso deve haver um encaminhamento de sol...

PEQUENO RELATO DE MINHA CONVERSÃO AO CRISTIANISMO.

 Antes de mais nada, como tenho muitos amigos agnósticos e ateus de várias matizes, quero pedir-lhes licença para adentrar em seara mística, onde a razão e a fé ora colidem-se, ora harmonizam-se. Igualmente tenho muitos amigos budistas e islamitas, com quem mantenho fraterna relação de amizade, bem como os irmãos espíritas, espiritualistas, de umbanda, candomblé... Pensamos diferente, mas estamos juntos. Podemos nos compreender e nos desentender com base  tolerância.  O que passo a relatar, diz respeito a COMO DEIXEI DE SER UM ATEU CONVICTO E PASSEI A CRER EM JESUS CRISTO SEGUINDO A FÉ CATÓLICA. Bem, minha mãe Sebastiana Souza Naves era professora primária, católica praticante,  e meu pai, Sólon Fernandes, Juiz de Direito, espírita. Um sempre respeitou a crença do outro. Não tenho lembrança de dissensões entre ambos,  em nada; muito menos em questões de religião. Muito ao contrário, ambos festejavam o aniversário de casamento, quando podiam, indo até aparecida d...