
Ainda sinto o cheiro do chumbo,
passados tantos anos.
Tínhamos o semblante da vitória
estampado nos sorrisos
desprezando o perigo.
Tudo era possível
sem precisar
de um deputado.
Minhas veias,
não suportam
este meio de campo
“democrático”
enquanto a dor
continua
nos rostos
perdidos,
explodem
em minha cara.
Cantava a beleza da vida
com um ardor
superior
em versos
e prosa,
proseando
companheiros e
companheiras
vendo cristalino
o alvorecer
da Humanidade.
Não mais o sofrimento!
Não mais a exploração!
Não mais a perseguição e a morte!
Muito mais a vida plena,
para ser vivida!
Muito mais o canto
indo para o centro
do coração!
Quando fazíamos a revolução
o medo varria
como ventania
as nossas ações,
mas fazíamos
incontroláveis
missões
diante de imensas
barreiras e batidas.
Caía um
levantava-se outro.
A Liberdade não era uma bandeira vã,
era intrínseca, veia, músculo e carne.
A multidão amorfa
foi se dando conta
da paralisia
e despertou.
Grandes conquistas alcançamos.
Um país democrático
com mobilidade social
ascendente,
etc e tal,
mas confesso
que atormentam-me
as noites mal dormidas
pela perda
daquele sonho primeiro
tão puro
irrefreável
de virar isto tudo
de cabeça para baixo,
pondo lá em cima o peão
e destronando
o mandão.
Ocupando mansões
para os favelados
universidades
para os filhos
dos operários
e respeito,
muito respeito
ao doente pobre
dos corredores
hospitalares
sem atendimento.
Tínhamos aquele alvorecer.
Procuram-me convencer
que alcançamos aquele patamar.
Não a mim!
Não enterrei o sonho!
Ele atormenta-me nas madrugadas
em meio a gritos de todos os tipos
de dores
fome
doença
frio.
Tenta acordar-me
e ao acordar
tenho sonolência.
Vivo num meio
de tudo,
partido,
repartido.
Assalta-me sempre
nas noites,
aquela época
em que fazíamos
a revolução,
como uma obsessão
pregada no corpo
que não sai
não sai.
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