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TUDO MUITO ESTRANHO (de João Scortecci editor)

 

O mundo anda mesmo estranho. Ontem de manhã, sol ainda acordando, lentamente, saindo por detrás de um prédio mais estranho ainda – torto e de dar medo – construído no terreno da antiga Cooperativa Agrícola de Cotia, em Pinheiros, ao lado da estação do Metrô Faria Lima, já estacionando na garagem da editora, quando passei com o carro por cima de alguma coisa estranha, na calçada. Parei. Olhei e não vi nada. Abri o portão automático e entrei com o carro. Ao entrar, observei, à esquerda, a poucos metros de distância, um rapaz, jovem, estranho, com um bebê no “canguru”. Provavelmente estava aguardando um Uber, uma perua escolar, ou um carona. Estou há 11 anos nesse endereço e confesso: foi a primeira vez que os vi, no pedaço. Desci do carro para ver o que havia atropelado. Sacos de lixo, que se rasgaram e sujaram a calçada. Lixo do vizinho – casal de idosos estranhos – que adoram o meu poste. Chamo de “meu”, porque o danado está grudado estranhamente na entrada da minha garagem. O lixo da editora – na sua totalidade composto de papel – é recolhido diariamente por uma empresa de reciclagem terceirizada, que atende, também, a livraria e a gráfica. Examinei o lixo esparramado: restos de comida, cascas de frutas, embalagens de leite, macarrão e pão velho. Que desastre! A ideia era entrar no prédio, pegar vassoura, pazinha, saco de lixo e recolher tudo. Mais tarde, depois das 8 da manhã, quando a faxineira chegasse, pediria que lavasse a calçada, operação feita, pontualmente, toda semanal. Quando estava abrindo a porta do escritório, o jovem estranho, com o bebê no “canguru”, apareceu no portão: “O Senhor atropelou o lixo!”. Gritou e foi embora. Abri o portão e o encarei. Ele me ignorou. Dar uns “tabefes”, às 6 horas da manhã, num jovem com um bebê no canguru, confesso, não é nada prático e muito menos recomendado. Mesmo que, vez por outra – estranhamente – tenha saudade do tempo de menino onde resolvíamos tudo no braço. Respondi: “Não vi.” Recolhi o lixo, com a ajuda de uma colaboradora que entrou às 6h30 da manhã e – na primeira hora do expediente – pedi para que lavassem a calçada. Hoje de manhã, estranhamente, no mesmo horário, 6 horas, reencontrei o jovem com o bebê no “canguru”. Nos encaramos, estranhamente. Já disse: o mundo anda estranho, e eu – mais atento que tudo – ando, com todo cuidado, de olho no lixo do poste. Atropelar sacos de lixo é algo estranho. Muito estranho.
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