O LAMBE BOTAS


Existe uma figura que se destaca na tragicomédia das relações sociais de trabalho, também chamada de relações produtivas. Antes, entretanto, vamos aos diversos figurantes com papéis mais importantes:


1. Em primeiro lugar a chamada força de trabalho, hoje elevada à condição de “colaborador”. Sim, porque em determinado momento a “administração científica” considerou ser vergonhosa a denominação empregado; mas cá entre nós, é para disfarçar mesmo, a grande distinção social entre uma minoria de acionistas, ou empresários, latifundiários, ou popularmente falando, patrões, e as camadas numerosas de trabalhadores, ou operários, comerciários, “terceirizados”, trabalhadores rurais, etc...

2. Em segundo lugar, os proprietários dos chamados meios de produção. Em outras palavras, os que não trabalham, mas vivem fartamente do trabalho dos outros. Sim, porque tudo o que se comercializa e vende, deve-se, concretamente, ao trabalho realizado, e não ao controle, ou a gestão. Lógico, há uma visão empresarial, há uma tecnologia altamente evoluída, que põe uma pimenta nestes conceitos centenários de Marx, Engels e Lenin. Dizem até, que a mais-valia, com a robótica está desaparecendo...(sic)

3. Bem, agora vamos falar dos esprimidinhos, sim dos que ficam no meio desta história toda, dos que oscilam pensando ser uma coisa e são outra. Ou, dos que se esquecem do que são, e pensam ser mais do que não são. Entenderam? Bem refiro-me aos chamados estratos médios da população. Estes que a futura presidenta Dilma designa como “classe média”, um país de “classe média”. Aí estão, engenheiros, advogados, médicos, pequenos empresários, dentistas, tecnólogos de todo tipo, etc , etc, prestando serviço nas grandes corporações, ou tentando vôo solo, como se diz, de abrir o próprio negócio.

4. Há ainda o lumpen, o “exército industrial de reserva”, como Marx se referia, popularmente chamados de mendigos, povo de rua, abandonados, drogados, e por aí vai. Este é o povo que elegi, como o mais importante dentre estes todos, porque aqui está a fotografia do sistema, que ele não pode e não consegue esconder. Os que foram expulsos informalmente do sistema, que, obviamente, não se responsabiliza por tanta miserabilidade.

É difícil falar deste tema no Brasil de hoje, porque vivemos um período empreendedor, e estas palavras “tão antigas”, podem dar a impressão de que sou ultrapassado, e abordo coisas que não existem mais.

Bem, o dia-a-dia disfarça estas classificações e o ser humano acaba tomando uma dimensão toda especial e particular.

Concordo, portanto, que exista uma capa de proteção ideológica, que dilui tudo numa colcha de retalhos indecifrável, ainda que a verdade continue.

Ma há uma figura neste cenário não pintado, que me dá a mais profunda revolta e, ao mesmo tempo, piedade.

Refiro-me ao LAMBE BOTAS. Trata-se daquele chefe que é mais duro que o próprio patrão. Meticuloso na perfeição, de poucas palavras, sisudo, altamente controlador.

Hoje, passando por um mercado, vi o próprio. Conferia a entrada de produtos, com se o fornecedor estivesse roubando na quantidade, desconfiado. O entregador, passado, perdia o rebolado, e rígido, seguia todas as perguntas deste chefe. Dali a pouco veio uma funcionária com uma nota fiscal, e mostrou-a e este legítimo representante da empresa (ué, mas o “colaborador” agora também não é?). Este levantou os olhos de soslaio, e chamou-a para o lado, que submissa, seguiu sem falar nada. Parecia que ela era um infratora ao perceber uma infração, se houve infração. Aposto que ele adoraria um desvio, para justificar sua performance improdutiva.

Já vi patrões mais amáveis e compreensivos. Eu mesmo, pequeno empresário, já fui bem mais generoso que um cidadão destes.

Mas este não. Este não consegue falar. Seu vocabulário tem poucas palavra: vai, leva, não. Às vezes um “porquê ?” Quem convive com este tipo de “gente” vive sobressaltado, sem saber o que virá do mesmo.

Será que, quando chega a noite e eles voltam para suas casas, eles são assim também com suas esposas e seus filhos? Será que eles beijam seus filhos e os põe nos seus colos? Será que deitam-se com suas mulheres, e no calor do gozo dizem”eu te amo”?

Não sei, torço que sim, porque se isto acontece, eles ainda tem uma chance de se redimir desta postura anti-humana.

O mundo precisa ser transformado, e nossa educação interior deve formar um HOMEM NOVO, cheio de vida e verdade, transparente e justo. O mundo aguarda esta grande transformação.

Enquanto isto assistimos estes filmes de reality show, com personagens que nem Boris Karloff imaginaria.

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