
Nos imensos mistérios que envolvem a vida, particularmente, a enfermidade cumpre um papel singular.
Ontem ainda, figurativamente, víamos Lula visitando o seu vice José Alencar no hospital, na luta quase que cotidiana que aquele mantinha, por meses e anos a fio contra o câncer, de tal forma que forjou-se um homem recheado de inquebrantável esperança.
E Lula era o visitante.
Hoje não! Hoje Lula é o enfermo na história, e faz ele mesmo a inflexão sobre a sua vida, sua história, o que fez, o que não fez, onde acertou e errou, as formas como tratou as pessoas, se as ignorou ou deu mais atenção, as vezes em que foi ético, e quando não foi(que ninguém saiba que eu disse isto).
Provavelmente nada lhe escapou de análise, mesmo porque durante as enfermidades temos um excesso de tempo exatamente para utilizarmos nestas coisas, antes vulgares.
Quando entramos em um hospital para tratarmos uma doença, há uma verdadeira reviravolta na vida.:
1) Perdemos o protagonismos nos fatos e acontecimentos.
2) Logo percebemos que dependemos dos outros, e menos de nós mesmos. Enfermeiras e médicos vem e vão com uma conversa transitória, e opiniões sempre esperançosas e rápidas, sem tempo.
3) Percebemos também que somos colocados como reservas do grande jogo da vida. Aos poucos vamos notando que a vida no país continua sem nós, e vai bem. Temos a sensação de que não somos mais necessários.
4) Com isto, vamos adquirindo uma nova humildade, não aquela apreendida nas escolas, formal, mas uma nova, ao vermos que mexem com o nosso corpo, de maneira tão normal como penteam os cabelos. Humildade adquirida com o esquecimento a que somos postos, as poucas visitas que recebemos. Porque o mundo continua e não pode ser interrompido por nossa causa, por mais importantes que sejamos.
5) Despertamos, portanto, para uma grande revisão, às vezes forçada, de tudo o que somos, e mergulhamos na crítica, ou melhor, na auto-crítica. Enxergamos nossas falhas, nossas soberbas, ponto a ponto, desde a dimensão pessoal, passando pela a matrimonial, a familiar, até as grandes relações políticas nacionais e internacionais. A morte batendo à porta traz a real visão de que o tamanho do caixão é igual para todos, e que a construção feita na vida, se dissolve quase que por encanto, diante deste quadro.
Isto tudo nos leva a repensar os caminhos do depois, quando a doença findar-se, se findar.
Caminhos mais sensíveis para com os outros, mais pessoais, a inclusão da amorosidade nas relações, com nova ênfase, sem as roupagens formais que aprisionavam.
Lula perdeu muito mais que os cabelos e o peso.
Lula perdeu a pomposidade do chapéu Panamá, dos charutos Havana, os valores esquecidos nas intempéries dos bastidores.
Lula ganhou uma vida nova no adiantado de seu tempo, pronta para remediar erros, aproveitar detalhes menos importantes, torná-los estratégicos e fundamentais.
O abraço mais que o aperto de mãos, a palavra certa calando fundo a verdade nos corações.
Queremos ter Lula de volta, redivivo, com nova humanidade. O mundo ainda precisa de sua humanidade depurada dos conflitos e das posições, cristalina.
Este é o Lula que esperamos ver emergir da enfermidade
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