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Manlio Dinucci: Contra-ofensiva russa na Frente Oriental

23 de maio de 2014 - 16h04 

A tática dos Estados Unidos de isolar economicamente a Rússia para impedir que venha em auxílio da população ucraniana teve um efeito oposto ao pretendido: está empurrando Moscou para o braços de Pequim; assim, a longo prazo, o bloco Europeu Oriental-Asiático, que está ganhando vapor, irá superar o poder dos países ocidentais.


Por Manlio Dinucci, no jornal Il Manifesto


Em Xangai, está tudo pronto para sediar o quarto encontro da CICA [Conferência sobre Interação e Medidas de Fortalecimento da Confiança na Ásia – Conference on Interaction and Confidence Building Measures in Asia – NT].

Enquanto a OTAN está reunindo, em 21-22 de maio em Bruxelas, os 28 ministros da defesa para atualizar suas forças com um objetivo anti-russo, e está a intensificar o treinamento militar e paramilitar em Kiev (incluindo as gangs que tentaram assassinar o Secretário do Partido Comunista Ucraniano), e enquanto a União Europeia tem a Rússia como alvo de novas sanções, a resposta não vem de Moscou, mas da distante Pequim.

O Presidente Putin começou hoje sua visita estatal à China, a qual vai ver a assinatura de trinta acordos bilaterais com o efeito direto de mutilar o plano de Washington de "isolar a Rússia do Presidente Vladimir V. Putin cortando seus laços econômicos e políticos para o mundo exterior".

O escopo dos acordos é estratégico. Um contrato no valor de US $ 270 bilhões, entre a companhia estatal de petroleo da Rússia Rosneft e a Companhia Nacional de Petroleo da China, prevê que a Rússia irá fornecer à China nos próximos 25 anos mais de 700 milhões de toneladas de petróleo. Outro contrato prevê que, até 2018, a companhia estatal russa Gazprom irá fornecer pelo menos 38 bilhões de metros cúbicos por ano de gás à China, isto é, cêrca de um quarto do montante que agora exporta para a Europa. Interligando com investimentos chinêses previstos de US $ 20 bilhões, Moscou pretende agilizar o gasoduto entre a Sibéria Oriental e o Pacífico, acoplando-o a um duto de 4000 km para abastecer a China.

Por seu turno, Pequim está interessada em fazer investimentos também na Crimeia, em especial na produção e exportação de gás natural liquefeito, na modernização da agricultura e na construção de um terminal de grãos. Ao mesmo tempo, Moscou e Pequim estão pensando em abandonar o dólar como moeda para o comércio na região asiática. E a Rússia está pronta para lançar seu próprio sistema de pagamento, adotando o modelo UnionPay da China, incluindo cartões de crédito que podem ser usados em mais de 140 países, ocupando a segunda posição no mundo depois do Visa.

A cooperação russo-chinêsa não está limitada à esfera econômica. Os Presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping, segundo fontes diplomáticas, devem fazer uma "declaração substancial" sobre a situação internacional. A convergência de interesses estratégicos será demonstrada pelos exercícios militares conjuntos que os dois países estão prestes a realizar no Mar da China Meridional, na esteira das manobras navais realizadas pelos Estados Unidos nas Filipinas. E um acordo militar está praticamente garantido, segundo o qual Moscou irá fornecer a Pequim caças Sukhoi Su-35 de multi-função; submarinos da classe Lada, e os mais avançados sistemas de defesa de mísseis, o S-400.

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A Conferência sobre Interação e Medidas de Fortalecimento da Confiança na Ásia (Cica) foi fundada por iniciativa do Cazaquistão em 2006 e seu secretariado permanente baseia-se em Almaty. A Presidência rotativa será entregue pela Turquia à China na abertura do próximo encontro em Xangai em 21 e 22 de maio de 2014.

Para sublinhar a comunalidade de interesses entre Moscou e Pequim, Putin participará da Conferência sobre Interação e Medidas de Fortalecimento da Confiança na Ásia (Cica), presidida por Xi Jinping, sendo realizado em Xangai em 21 e 22 de maio, com a participação do primeiro-ministro iraquiano Nuri al-Maliki, do presidente afegão Hamid Karzai e do seu homólogo iraniano Hassan Rouhani. Um tapa na cara dos Estados Unidos, que – depois de ter gasto 6 triilhões de dólares nas guerras no Iraque e no Afeganistão - agora vê a China aumentando sua presença econômica nestes dois países. No Iraque, ela compra cerca de metade da produção de petróleo bruto e faz grandes investimentos na indústria petrolífera; no Afeganistão, ela investe principalmente no setor de mineração, depois que os geólogos do Pentágono descobriram ricas jazidas de lítio, cobalto, ouro e outros metais. Ao abrir oportunidades para o Irã no Oriente, a Rússia e a China estão cortando o tendão do embargo decretado pelos EUA e pela UE.

As coisas não estão melhores para Washington na Frente Ocidental. A possibilidade com que a Administração Obama está brincando de reduzir em mais de 25%, nesta década, o gás russo para a Europa, e de substituí-lo com gás natural fornecido pelos Estados Unidos, está a revelar-se como sendo um blefe. A confirmação disso é o fato de que, apesar das sanções anunciadas por Berlim, empresas alemãs continuam a investir na indústria de energia da Rússia: a RMA Equipamento de Dutos, fabricante de válvulas de encanamento de óleo e gás, está agora abrindo sua maior fábrica na região do Volga. E a Gazprom já assinou todos os contratos, incluindo um de € 2 bilhões com a empresa italiana Saipem (Eni) para a realização do gasoduto South Stream [Canal do Sul – NT], que passando pela Ucrânia trará o gás russo através do Mar Negro até a Bulgária e de lá para a UE. Mesmo se os Estados Unidos fossem capazes de bloquear o South Stream, a Rússia poderia desviar o gás para a China.

O "Canal do Leste" [East Strem] está agora aberto.

* Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações : Geocommunity Ed. Zanichelli 2013 ; Geografia del ventunesimo secolo, Zanichelli 2010 ; Escalation. Anatomia della guerra infinita, Ed. DeriveApprodi 2005.

Fonte: Il Manifesto. Tradução de Marisa Choguill para o Rede Voltaire


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