Ualid Rabah: Papa Franciso e a mediação honesta pela paz na Palestina

Em virtude das manifestações e atitudes do Papa Francisco na Palestina, muitas delas paradigmáticas e, até mesmo, surpreendentes - destacando-se, dentre elas, a oração junto ao Muro do Apartheid, agora tornado o Muro das Lamentações Palestinas - e diante da possibilidade lançada pelo próprio líder católico quanto à mediação entre palestinos e israelenses com vistas à busca da paz, algumas considerações se tornam necessárias.


Por Ualid Rabah*


Palestine News Network
Papa Francisco esteve em Belém, na Cisjordânia, recebido pelo presidente palestino Mahmoud Abbas.Papa Francisco esteve em Belém, na Cisjordânia, recebido pelo presidente palestino Mahmoud Abbas.
Estas são as que seguem, considerando preocupações e análise quanto ao que vem ocorrendo na Palestina, notadamente a incessante limpeza étnica que é mais brutal contra os palestinos cristãos, cuja importância é vital para toda a cristandade. Afinal, estamos falando do fim dos mais antigos cristãos, bem como da descristianização da Palestina, primeiro passo rumo à consecução do farisaico projeto sionista: a total judaização da Palestina, com, ao final e ao cabo, expulsão de todos os não judeus.

Primeiro de tudo, é importante destacar que a nenhum Papa pode escapar a problemática na Palestina, seja porque a Palestina é o berço do cristianismo e lá se encontram os mais antigos cristãos do mundo (os palestinos), seja porque há uma clara política de Israel com vistas à descristianização da Palestina, promovida por privações as mais severas justamente às áreas e cidades de forte presença cristã, como Belém, uma das mais afetadas pelo Muro do Apartheid, agora tornado, pelo Papa Francisco, o Muro das Lamentações da Palestina (ou pela Palestina). 

Este processo de descristianização faz parte do movimento geral de limpeza étnica da Palestina, claro, mas neste caso específico visa à expulsão primeiramente dos palestinos cristãos. Isto se dá porque a parcela dos palestinos cristãos é menor, o que a torna mais facilmente passível de ser alvo, bem como porque para os sionistas religiosos fanáticos, que acreditam numa Palestina só para judeus, os demais credos devem ser desaparecidos de toda a Palestina. Então, estamos falando de um meticuloso processo de judaização da Palestina, em que a varrição de sua população cristã é parte essencial desta política.

Há outra faceta: sem cristãos na Palestina, ficaria mais fácil apresentar a limpeza étnica na Palestina como um conflito contra o islamismo, mais ou menos na ótica dos EUA. Logo, Israel seria o não muçulmano, defensor do ocidente e defendido pelo ocidente, contra o muçulmano, inimigo deste mesmo ocidente e que, notoriamente, busca destruí-lo, o que automaticamente implica na ideia de que busca destruir Israel, uma espécie bizarra de extensão do chamado ocidente.

Ademais, estamos falando de, uma vez que não havará mais cristãos na Palestina, possibilidade de tomar para Israel os templos “abandonados”, bem como estar consideravelmente livres para seguirem na limpeza histórica da Palestina, isto é, promoção para a Palestina de uma nova história, por meio de uma pseudo arqueologia, por meio da qual tudo será transformado em “prova” das afirmações judaicas de tudo quanto respeita ao que alegam acerca de terra prometida, de sua presença milenar etc. Vão inventar provas para uma história inventada para servir ao mito fundacional da “nacionalidade” israelense, a nação judaica de que tanto falam.

Estas atitudes estatais de Israel fazem com que os palestinos cristãos componham entre 3% e 5% da população palestina, quando já foram mais de 10%. Não há a menor dúvida de que há uma limpeza étnica com consequências imprevisíveis para a cristandade mundial caso desapareçam os mais antigos cristãos, os palestinos, da Palestina.

Reafirmação da posição do Vaticano

Ainda que o Papa Francisco pareça muito mais dedicado às questões nevrálgicas de nosso mundo que seus antecessores mais recente, há que se dizer que no caso da Palestina o Papa anterior também foi categórico em suas manifestações em favor da resolução justa da Questão Palestina. Bento XVI condenou o Muro das Lamentações Palestinas e pediu o reconhecimento do Estado da Palestina e o respeito aos direitos humanos dos palestinos. O fez abertamente, em Belém, mais clara e expressamente. Isto foi notado pelos palestinos e pelo mundo.

Claro que de lá para cá nada mudou e, inclusive, Israel radicalizou suas medidas unilaterais e ilegais, em claro desafio à comunidade internacional, bem como sabotou às claras os esforços mais recentes de negociação pela paz e resolução da questão palestina, encabeçados pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry.

Mas, no que importa, o que temos é que o Vaticano não tem descuidado da Palestina e tem tido posturas em favor da paz e da resolução justa do conflito, no marco das resoluções da ONU, abrangendo a totalidade das questões envolvidas, que vão desde questões aparentemente menores, como a liberdade de culto a muçulmanos e cristãos, notadamente em Jerusalém, cujo acesso lhes é negado, a questões mais visivelmente complexas, como o retorno dos refugiados e o status de Jerusalém como capital do Estado da Palestina.

Mediação honesta

Caso o Vaticano consiga alcançar o privilegiado patamar de mediador entre palestinos e israelenses com vistas à solução do conflito na Terra Santa, poderá haver uma virada em vários sentidos.

A primeira é que será a primeira vez, desde a expulsão de metade da população palestina, em meados de 1948, por Israel, e da tomada de suas terras e bens, que os dois lados serão mediados por um terceiro elemento mais equilibrado, capaz de se propor a uma posição neutral.

Atualmente, por exemplo, são aos EUA que de fato fazem esta mediação, o que é absolutamente despropositado. Ora, os EUA têm um só lado neste conflito, que, aliás, nunca tiveram o pudor de esconder. Como podem os EUA mediar se são eles quem garantem as armas e as munições que arrasam com os palestinos, seja na Palestina, seja nos países vizinhos? E que dão apoio político e diplomático incondicional a Israel, a ponto de terem vetado todas as resoluções da ONU condenatórias do Estado israelense por seus crimes? E pior: os EUA, diante do mundo incrédulo, vetaram o ingresso da Palestina como Estado Membro da ONU, algo que a maior parte dos países aceita, dentre eles o Brasil, grande parte da Europa, a América do Sul quase inteira, China, Índia, Rússia, quase 100% da África.

Logo, os EUA não são mediador isento e honesto diante das partes. Ao contrário, ao invés de mediar, têm facilitado a vida de Israel e dificultado a dos palestinos, inclusive tendo obstaculizado a cessação das agressões sem paralelo ao Líbano em 2006, precedida de tantas outras, sendo a mais cruenta a de 1982, quando dezenas de milhares morreram e se massacraram as populações dos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, assim como a que paralisou o mundo de incredulidade em dezembro de 2008 e janeiro de 2009, em Gaza, verdadeiro banho de sangue imposto a esta estreita faixa super povoada, que, aliás, segue brutalmente bloqueada.

Não bastasse, os EUA permitem a Israel deter e utilizar, ao arrepio da legalidade internacional das inspeções, armas nucleares, químicas e bacteriológicas, e outras mais proibidas por convenções internacionais, como as bombas de fragmentação, de que são vitimas comprovadas os palestinos. Aliás, são os palestinos verdadeiras cobaias para teste destas armas, que depois são vendidas por Israel paras outros países, sendo, lamentavelmente, o Brasil um dos adquirentes de armas e tecnologia resultantes diretas da limpeza étnica da Palestina. 

Portanto, com a entrada do Vaticano, é claro que teremos, os palestinos e o mundo, um terceiro sujeito infinitamente mais honesto do que o atual auto intitulado mediador, os EUA.

Interesses bélicos e econômicos 

Outra circunstância que coloca os EUA na condição de nação desqualificada para a mediação do conflito na Palestina diz respeito aos seus fortes e inconfessáveis interesses econômicos e bélicos. Assim, nenhum passo dos EUA é dado sem ter em conta a necessidade que construiu de precisar se apoderar de todos os recursos estratégicos da região, notadamente petróleo e gás, que, por seu turno, é assegurado pela presença militar e integral ocupação do Oriente Médio, algo assegurado pela presença de Israel, verdadeira base militar e depósito de armas da potência dominante.

E, claro, a presença bélica tem, em si mesma, a retroalimentação econômica própria, visto que os países da região, permanentemente conflagrada, gastam bilhões e bilhões em armas, na sua esmagadora maioria comprada junto aos EUA, que, ao mesmo tempo, não permite a nenhum dos países árabes atingirem supremacia militar em relação a seu aliado Israel.

Portanto, como podem os EUA, que precisam de Israel e da tensão guerreira permanente que provoca para manter a ocupação do Oriente Médio e, com isto, usurpar todos os seus recursos e controlar o comércio de armas na região, mediar a solução do conflito? Não seria um contra-senso um país (EUA) que se beneficia deste caos acabar com ele?

Já o Vaticano, podemos dizer, não tem interesses bélicos ou petrolíferos, o que o coloca em situação infinitamente mais honesta do que EUA e seus aliados.

Pressão de sionistas cristãos fanáticos

Há, ainda, outro drama que assola os EUA: o gigantesco grupo de pressão, às vezes até irracional, que são os cristãos sionistas fanáticos, integralmente pró Israel. Estes são aos menos 50 milhões, ultraconservadores e capazes de desequilibrar as eleições presidenciais nos EUA e a de deputados e senadores. Estas igrejas pentecostais e neo-pentecostais têm feito lobby em favor de Israel tanto quanto o grupo de pressão judaico sionista.

Ora, se há uma coisa de que o Vaticano está, ao menos em tese, é livre destes fanáticos que se intitulam cristãos, barbaramente islamofóbicos e que adotam interpretações do Velho Testamento associadas a eventos modernos. Para estes, Israel, ao massacrar os palestinos, realiza profecias velho-testamentárias.

O Vaticano não só não vê as coisas sob este prisma tresloucado como, para além de tudo o mais, não depende dos humores eleitorais destes grupos, ou de quaisquer outros. Ou o Papa precisa de votos para se eleger ou se reeleger e por isso precisa ceder para grupos insanos que detêm vastos contingentes eleitorais? Lógico, portanto, que o Papado está livre também desta insana lógica eleitoral.

E, por fim, a Igreja Católica tem uma visão de diálogo inter-religioso, o que tem feito o Vaticano empenhar-se em virtuoso diálogo com o Islamismo e outras religiões, ao contrário das igrejas sionistas dos EUA e dos judeus sionistas fanáticos, ambos exclusivistas e que vêm todos os demais credos como inimigos a serem combatidos e, se necessário, eliminados.

Podemos dizer, ademais, que o próprio Vaticano e o catolicismo são alvos destes grupos – cristãos sionistas e judeus sionistas –, havendo provas fartas da difamação que fazem à Igreja Católica, facilmente coletáveis em sites, blogs, programas de rádio e televisão e outras publicações impressas destas denominações religiosas.

Não querendo, nunca, nem de longe, simplificar o debate, até mesmo porque para que o Vaticano e o Papa cumpram este papel mediador, as duas partes precisam aceitá-lo, o intuito do que colocado é apenas para que percebamos, de uma vez por todas, que o impasse a o seguimento da limpeza étnica na Palestina se deve à ausência de um mediador equilibrado, papel que pode ser cumprido à perfeição pelo Papa Francisco. 

Quanto a nós, palestinos, temos como bem vinda a disposição do Papa Francisco em emprestar suas autoridades moral, intelectual e ética para a promoção da paz na Palestina e o fim do sofrimento de seu povo. Será um seguidor dos passos de Jesus Cristo, quem sabe, o restaurador da santidade desta Palestina imersa em escombros d cadáveres, sangue e lágrimas. Que assim seja.

*Ualid Rabah é diretor de Relações Institucionais da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil.


**Título original: "Papa Francisco e uma mediação honesta e equilibrada para a paz na Palestina"
Fonte: Oriente Mídia

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