Pular para o conteúdo principal

Aberta em 1935, uma das chapelarias mais tradicionais de SP fecha as portas

04/12/2013 - 16h12

Na esquina onde se encontravam cartazes glamurosos como "Panamá", "Borsalino" e "Cloche", hoje se lê uma faixa plástica branca com letras azuis: "PASSO O PONTO".
Depois de 78 anos resistindo numa sala escondida sob o viaduto Santa Ifigênia, centro de São Paulo, a loja "El Sombrero" recolheu o chapéu na última segunda-feira (30).
Desde então, seu dono, Abram Kirszenwurcel, 60, ainda pode ser encontrado empilhando o que restou do acervo, que no início dos anos 2000 reuniu mais de 180 modelos.
"Não tem mais loja, não tem mais telefone, não tem mais site. Fechou", disse, recebendo a reportagem da sãopaulo de cabeça quente.

Vitrine com vários tipos de chapéus na Chapelaria El Sombrero, no centro de São Paulo
Vitrine com vários tipos de chapéus na Chapelaria El Sombrero, no centro de São Paulo
Filho de Szmul Icek Kirszenwurcel, chapeleiro polonês que chegou ao Brasil em 1929, Abram nega qualquer crise. "Não foi por falta de público, essa chapelaria sempre foi muito bem, obrigado."
Então fecha por quê? "Porque estou cansado", respondeu, menos desconfiado. "E um dia é preciso parar."
CHIQUE
A figurinista Iraci de Jesus, 52, lembra do primeiro chapéu que comprou na esquina das ruas do Seminário e Brigadeiro Tobias, 34 anos atrás.
"Tenho a imagem exata na cabeça: era bordô, tinha a cabeça redondinha e uma aba pequena de feltro, bem feminino mesmo", diz. O adereço foi usado no casamento de uma tia. "Eu era meio hippie, não queria usar roupa de casamento. O que fiz então foi comprar esse chapéu para ir diferente. Me achei chique."
Desde então, Iraci perdeu a conta de quantas vezes voltou. "Sempre ia e indicava por causa dos figurinos que produzo. Eles davam dicas sobre o chapéu ideal para cada situação, quais materiais eram mais duráveis e tal. É uma pena."
Entre boinas, quepes, casquetes, "porkpies" e "floppies" de tecidos como feltro, renda, palha e camurça, a cliente diz ter feito várias descobertas. "Foi lá que eu soube que o Panamá não era produzido no Panamá", conta Iraci.
A origem do chapéu que emoldurou as cabeças de Getúlio Vargas, Tom Jobim e Santos Dumont está mais embaixo no mapa: a cidade de Cuenca, no Equador --onde é chamado de "El Fino".
Também triste está a aposentada Sônia Ramires, 65. "Sou uma senhora que sempre usou boinas", diz.
Desde os anos 1970, quando começou a frequentar a loja, Sônia comprou oito boinas diferentes. "Fui lá pela última vez há uns três anos", diz. E explica: "Os chapéus eram bons, não tinha porque voltar toda hora."
Segundo ela, a maior parte do público era de idosos. "Mas tinha também uns moderninhos. E muitos nordestinos que compravam aquele chapéu curtinho, que usa com uma pena. São os que fazem repentes lá na praça da República."
O fotógrafo Douglas Nascimento, do site São Paulo Antiga, visitava a loja com o avô materno. "Sem a El Sombrero, São Paulo perdeu mais um pouco de seu encanto", escreveu.
CARIDADE
Além dos chapéus, a loja também vendia acessórios, como cintos, bengalas e gravatas.
Agora, debaixo da porta de ferro semifechada, ainda era possível ver mais ou menos 50 caixas empilhadas. Numa delas, menos glamurosa, o cantor sertanejo Daniel ostentava um daqueles típicos dos caubóis americanos.
"Vou tentar repassar o que sobrou para a concorrência", disse Abram, de camisa e cabelos brancos molhados de suor --fazia 35ºC na tarde em que a reportagem visitou o estabelecimento.
O descendente de poloneses também planeja outro destino para os chapéus mais elegantes da cidade.
"Vai ser difícil vender tudo porque nenhuma loja da cidade tinha tanto público quanto a gente. O que sobrar, efetivamente, vou doar para a caridade --não tenho como carregar uma mala dessas para casa."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Soneto de Dom Pedro Casaldáliga

Será uma paz armada, amigos, Será uma vida inteira este combate; Porque a cratera da ... carne só se cala Quando a morte fizer calar seus braseiros. Sem fogo no lar e com o sonho mudo, Sem filhos nos joelhos a quem beijar, Sentireis o gelo a cercar-vos E, muitas vezes, sereis beijados pela solidão. Não deveis ter um coração sem núpcias Deveis amar tudo, todos, todas Como discípulos D'Aquele que amou primeiro. Perdida para o Reino e conquistada, Será uma paz tão livre quanto armada, Será o Amor amado a corpo inteiro. Dom Pedro Casaldáliga

UM CORPO ESTENDIDO NO CHÃO

 Acabo de vir do Largo de Pinheiro. Ali, na Igreja de Nossa Senhora de M Montserrat, atravessa  a Cardeal Arcoverde que vai até a Rebouças,  na altura do Shopping Eldorado.   Bem, logo na esquina da igreja com a Cardeal,  hoje, 15/03/2024, um caminhão atropelou e matou um entregador de pão, de bike, que trabalhava numa padaria da região.  Ó corpo ficou estendido no chão,  coberto com uma manta de alumínio.   Um frentista do posto com quem conversei alegou que estes entregadores são muito abusados e que atravessam na frente dos carros,  arriscando-se diariamente. Perguntei-lhe, porque correm tanto? Logo alguém respondeu que eles tem um horário apertado para cumprir. Imagino como deve estar a cabeça do caminhoneiro, independente dele estar certo ou errado. Ele certamente deve estar sentindo -se angustiado.  E a vítima fatal, um jovem de uns 25 anos, trabalhador, dedicado,  talvez casado e com filhos. Como qualquer entregador, não tem direito algum.  Esta é minha cidade...esse o meu povo

Homenagem a frei Giorgio Callegari, o "Pippo".

Hoje quero fazer memória a um grande herói da Históra do Brasil, o frei Giorgio Callegari. Gosto muito do monumento ao soldado desconhecido, porque muitos heróis brasileiros estão no anonimato, com suas tarefas realizadas na conquista da democracia que experimentamos. Mas é preciso exaltar estas personalidades cheias de vida e disposição em transformar o nosso país numa verdadeira nação livre. Posso dizer, pela convivência que tive, que hoje certamente ele estaria incomodado com as condições em que se encontra grande parte da população brasileira,  pressionando dirigentes e organizando movimentos para alcançar conquistas ainda maiores, para melhorar suas condições de vida. Não me lembro bem o ano em que nos conhecemos, deve ter sido entre 1968 e 1970, talvez um pouco antes. Eu era estudante secundarista, e já participava do movimento estudantil em Pinheiros (Casa do estudante pinheirense - hoje extinta), e diretamente no movimento de massa, sem estar organizado em alguma escola,