Pular para o conteúdo principal

Estive em um restaurante de 40 anos no centro de Sampa



Num passeio pelo centro, onde pude admirar a imensa fila dos devedores que serpenteava o grande Vale do Anhangabaú.

Eram os inúmeros endividados da cidade, sonhando em limpar os seus nomes, presos no Serasa, ou nos cartórios, impedindo-os de adquirir uma geladeira, um televisor. Sim, porque limpar o nome significa contrair novo empréstimo.

Lógico, nem todos que lá estiveram queriam ouvir falar em novos empréstimos, mas era só dar uma olhada no local da "negociação", onde supostamente se reduziria a dívida, e se notaria um setor de empréstimos(?).

Emprestar para pagar a divida? Mas isto é explorar ainda mais o devedor.

Ouvindo alguns dos que por lá estavam, percebi que não houvera negociação alguma, nem redução das dívidas, houve sim, um mapeamento dos endividados para reforçar a cobrança dos mesmos, num futuro próximo.

Estavam desencatados com a "humanidade" dos bancos e das empresas públicas que lá estavam para negociar.

Pelo volume de pessoas que havia, era impraticavel qualquer "negociação", porque negociação demanda tempo, e lá pelo volume de gente, isto não seria possível.

Lembrava a forma de arregimentação de soldados para a Guerra do Paraguai.

Colocavam uma banda tocando na Praça da Sé, e quando a praça estava cheia de gente, fechavam as ruas laterais e capturavam as pessoas, que eram obrigadas a se alistar como soldados para lutarem na guerra.

Lá observei também a nossa versão tupiniquim do Ocupem Wall Street, o "Ocupem o Anhangabaú", que não incomodava ninguém, pois não se encontrava no meio de algum caminho importante, como em Wall Street.

Parecia mais um grupo de abandonados da rua, esquentando comida naqueles panelões empretejados.

Para uma crítica do capitalismo, fato saudável e necessário, guardava uma semelhança com um movimento espontâneo e sem vínculos com qualquer movimento organizado.

Lembrava mais o movimento dos sem teto, mais organização.

Uma tal contradição entre uma fila de endividados e o Ocupem o anhangabaú, talvez saísse alguma revindicação maior. Mas não, um e outro se desconheciam no Vale ocupado

Voltando desta "tour" paramos, eu e minha esposa Meg, numa casa de mate gelado, na subida do Anhangabaú, e nos refrescamos um pouco do calor.

Há uns 20 ou 30 anos atrás ali era um ponto de parada obrigatória, para quem fosse ao centro, mas hoje, com o centro decadente ali há um certo saudosismo.


Caminhamos pela São João, passamos por um prédio ocupado por sem tetos, que fica bem na esquina com a Ipiranga,  e alcançamos o Restaurante La Farina, rua aurora 610, bem na travessa, bairro Santa Ifigênia,

O restaurante tem bancos com encostos altos que separam uma mesa da outra.

Olhamos o cardápio e nos encantamos com um tortelone verde com nozes, mais molho de quatro queijos, gratinado ao forno. Porção para dois.

Os garçon eram de "alguma" idade, acompanhando os 40 anos do restaurante, o que não é demérito para o proprietário, ao contrário, mostra história e tradição, valores que respeitamos e valorizamos.

Posso dizer que nos refestelamos bastante com a saborosíssima massa.

Eu que sou frequentador do "Gato que Ri", no Arouche, descobri outro espaço esquecido no passado da cidade.

O centro de Sampa está realmente abandonado, mas ainda tem belas alternativas tanto de visita, como de alimentação.

No Vale do anhangabaú vi um misto de turistas fotografando uma fonte desativada, enquanto um cidadão urinava ao lado. Tudo com muitos sorrisos ingênuos e discrição de quem urinava, como se também estivesse observando algo.

Dá para aceitar?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como devia estar a cabeça de Mário de Andrade ao escrever este poema?

Eu que moro na Lopes Chaves , esquina com Dr.Sérgio Meira, bebendo atrasado do ambiente onde Mário de andrade viveu, e cuja casa é hoje um centro cultural fechado e protegido a sete chaves (que ironia) por "representantes" da cultura, administrada pela prefeitura... Uma ocasião ali estive, e uma "proprietária da cultura" reclamou que no passado a Diretoria da UBE - União Brasileira de Escritores, da qual fiz parte,  ali se reunia, atrapalhando as atividades daquele centro(sic). Não importa, existem muitos parasitas agarrados nas secretarias e subsecretarias da vida, e quero distância desta inoperância. Prefiro ser excluído; é mais digno. Mas vamos ao importante. O que será que se passava na cabeça do grande poeta Mário de Andrade ao escrever "Quando eu morrer quero ficar". Seria um balanço de vida? Balanço literário? Seria a constatação da subdivisão da personalidade na pós modernidade, ele visionário modernista? Seria perceber São Paulo em tod...

Profeta Raul Seixas critica a sociedade do supérfluo

Dia 21/08/2011 fez 22 anos que perdemos este incrível músico, profeta de um tempo, com críticas profundas à sociedade de seu tempo e que mantém grande atualidade em suas análises da superficialidade do Homem que se perde do principal e se atém ao desnecessário. A música abaixo não é uma antecipação do Rap? Ouro de Tolo (1973) Eu devia estar contente Porque eu tenho um emprego Sou um dito cidadão respeitável E ganho quatro mil cruzeirosPor mês... Eu devia agradecer ao Senhor Por ter tido sucesso Na vida como artista Eu devia estar feliz Porque consegui comprar Um Corcel 73... Eu devia estar alegre E satisfeito Por morar em Ipanema Depois de ter passado Fome por dois anos Aqui na Cidade Maravilhosa... Ah!Eu devia estar sorrindo E orgulhoso Por ter finalmente vencido na vida Mas eu acho isso uma grande piada E um tanto quanto perigosa... Eu devia estar contente Por ter conseguido Tudo o que eu quis Mas confesso abestalhado Que eu estou decepcionado... Porque ...

O que escondo no bolso do vestido - Poema de Betty Vidigal

Foi em uma conversa sobre a qualidade dos poemas, quais aqueles que se tornam mais significativos em nossa vida , diferentemente de outros que não sensibilizam tanto, nem atingem a universalidade, que Betty Vidigal foi buscar, de outros tempos este poema, "Escondido no Bolso do Vestido", que agora apresento ao leitor do Pó das Estradas, para o seu deleite. O que escondo no bolso do vestido  não é para ser visto por qualquer  um que ambicione compreender  ou que às vezes cobice esta mulher.  O que guardo no bolso do vestido  e que escondo assim, ciumentamente,  é como um terço de vidro  de contas incandescentes  que se toca com as pontas dos dedos  nos momentos de perigo,  para afastar o medo;  é como um rosário antigo  que um fiel fecha na palma da mão  para fazer fugir a tentação  quando um terremoto lhe ameaça a fé:  Jesus, Maria, José,  que meu micro-vestido esvoaçante  não v...