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Reflexões sobre a paz

A paz tornou-se uma palavra vazia e sem sentido nos dias de hoje, onde a violência e a intolerância são marcas de normalidade.

A paz é vista mesmo como algo ultrapassado, jargão de uso retórico e intencionalmente colocado para esconder outras intenções, avessas a ela.

Parece até que a paz se circunscreve apenas ao palavreado religioso, como modo de vida particular, e no político, como meta distante dos discursos.

Poucos os expoentes, celebridades, ou líderes que encarnaram a paz como uma marca, sangue nas veias deles mesmos, a correr e a jorrar continuamente como razão de vida.

Conto nos dedos de uma mão, se tanto, em todo o período da História da Humanidade.

De maneira geral vejo a guerra como expressão das muitas ações humanas.

O uso da guerra para se erradicar a guerra, a guerra para acabar com a exploração, a guerra para defesa, a guerra para conquistar direitos, a guerra, a guerra , a guerra.

Parece que a guerra é mais integrante de nosso DNA do que a paz.

Alguns  definem a paz como "um período entre guerras", e a política como a ocasião em que "as partes não conseguem sobrepor-se umas às outras", entrando num período de entendimento chamado político.

Talvez aos poetas a paz seja possível, pois inspiram-se nas dificuldades de sua inexistência.

Aos religiosos também, se conseguirem superar o período das guerras religiosas.

Peter Weiss dizia que o Estado jamais seria misericordioso.

Tendo a concordar com este seu pensamento.

A paz, para surgir dentro de nós e crescer, precisa de alguns adubos.

A humildade é um deles, não a humildade de forma, de aparência, beata, mas a humildade de fundo, de se rever em seus atos, em suas relações, e buscar transformar-se no sentido de se restringir aos ímpetos, às dominações, e em aceitar a diferença.

Alguns chamam a isto de mortificações, isto é, matar a si mesmo em muitos aspectos de sua vida, e buscar descobrir novas atitudes, novas razões por viver.

A paz é compromisso com a verdade, mas sem impor a verdade.Isto é humildade na verdade

A paz sem a verdade é paz submissa, paz dos cemitérios, paz do dominador, em suma, ausência de paz, falsa paz.

Esta paz, talvez seja a que mais subsiste nos dias de hoje, sustentando tantos poderes perfeitos, justificáveis, que a instalam sob controle, para que ela não morra.

Triste paz.

A paz que sonho é livre e aceita e tolerável.

É paz de convencimento, paz de argumentação, não paz forçada, impostada.

Paz e verdade são sinônimas, alimentam-se uma da outra, na caminhada da construção de uma vida superior, onde os diferentes possam abrir-se à novidade e buscarem ser um, embora não sendo.

Paz e humildade, paz e verdade.

A paz supõe compreensão, supõe superação dos próprios limites constantemente.

A paz tem na justiça seu bastião principal.

Não há paz sem justiça, a não ser que a relativizemos em nossas vidas adequando-a ao possível, em morna substância.

Não, a paz é libertadora, é íntegra, cheia de verdade e alegria de ser. Autônoma.

Não tem compromissos com o mal, a exploração, a dominação, mas se enche de prazer em descobrir como pode alcançar grandes feitos tão facilmente.

Por isso a paz perdoa, tolera, espera.

Por isso a paz tem esperança.

A paz é cheia de esperança.

Não há esperança sem paz. Toda esperança é boa e pacífica.

Não há esperança com ódio, porque o ódio se nutre do presente e do passado.

A paz, por outro lado, se nutre do futuro, do sonho impossível que pode ser possível.

Paz sem perdão é guerra futura.

Paz e perdão, duas condições obrigatórias.

Desejo um mundo de paz. Nada melhor para se desejar isto no início de um ano novo. Desejo ardentemente alcançá-la.

A começar por mim, de minhas guerra interiores, silenciando-me de minhas falsidades, de minhas exterioridades, descobrindo a substância principal, submersa no mar da vida.

A paz desejo a todos, com humildade, verdade, justiça, perdão, tolerância.

E o expurgo das guerra também desejo.

Comentários

Dom Orvandil disse…
Excelente reflexão, companheiro e colega João Paulo. Fez-me pensar. Parabéns, Dom Orvandil www.padreorvandil.blogspot.com

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