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O gaúcho Martin Fierro e alguns heróis da História do Brasil

Já tive oportunidade de apresentar aos leitores do Pó das Estradas aquele que de certa forma tornou-se um pai para mim.


Trata-se do General Zerbini, falecido, marido da legendária Terezinha Zerbini, precursora dos movimentos pela anistia que cresceram durante o regime militar.

General Zerbini fora comandante do Regimento de Quitaúna, em São Paulo. Como era legalista, reuniu suas tropas e dirigiu-se para o Rio de janeiro para defender o governo constituído de João Goulart.

Seu Regimento, entretanto, debandou, e já em Resende, era um general sem tropas

Pelo fato de perder meu pai quando ainda tinha 11 anos, fui daqueles jovens que procurava os adultos para ouvir e aprender.

Quando entrei na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, Depto de Ciências Sociais, logo fiz amizade com Celso Frederico, hoje professor na área, e juntos íamos à casa do Gal. Zerbini para discutir os acontecimentos da época e analisarmos as conjunturas político-sociais, isto tudo regado por uma branquinha, entre salames e queijos. Hoje sou abstêmio, ai ai ai

Os ensinamentos que dali extraí sejam de política, sejam de filosofia ou poesia foram muito grandes e marcaram definitivamente minha formação. Infelizmente não consegui uma foto do General Zerbini. Verei se consigo com Terezinha Zerbini.

Durante a sua vida escrevi meu primeiro livro de poesia e fiz um poema para o General Zerbini que passo a mostrá-los:



Meu velho general

Cassado de 64, veterano de 32,

Estudante de filosofia. (era aluno de Marilena Chauí, e a admirava sobremaneira).



Nunca houve época melhor

em sua vida do que agora.

E agora, para sua honra,

Não está vendido,

Nem mesmo magoado;

Revoltado sim,

E assim encontramos nosso primeiro elo

Nossa única filosofia:

A de ser esperto quando nos cercam,

De calar quando nos batem,

De aparecer quando não esperam,

Enfim, de estar atento

Até no contemplar do silêncio absoluto.



Velho amigo,

Conflito de razão e Crisopígeo,

Perseguidor de poemas

E das mulheres nunca conquistadas.

Vê o que resta no ar...

A liberdade restrita ao murmúrio dos homens

Como um amor incubado

Que a gente sabe que pode morrer.



Vê que salgaram a casa de Tiradentes,

Mas que os alferes ainda bradam!





Em alguma destas ocasiões tive a oportunidade de conhecer o General Assis Brasil, ex-ministro da Guerra de João Goulart, e grande amigo de Zerbini. Lembro-me de Assis Brasil preparando um churrasco gaúcho no quintal da casa de Zerbini. Entremeava o corte das carnes com poemas de Martin Fierro. Recitava com tal vivacidade como se estivesse diante de um público.

Assis Brasil tornara-se amigo de Zerbini desde a Revolução Constitucionalista de 32, quando veia do sul para São Paulo, lutar junto aos constitucionalistas. Esteve lutando com Zerbini desde o litoral norte, até o Vale do Paraíba.

Lembravam de várias passagens como a das metralhadoras cruzadas que deixaram estrategicamente montadas em Ubatuba, frustrando pelo menos um desembarque de tropas federadas. Ou quando se depararam com uma tropa inimiga onde um soldado pulava, à distância , fazendo troça do soldados de São Paulo.



Zerbini chamou um de seus melhores atiradores e mandou fazer mira para quando o outro fosse bailar sobre a trincheira. Um tiro, e nunca mais o soldado apareceu para fazer gozação.

Assis Brasil levou Jango até o Uruguai, quando voltou ao Brasil, apresentou-se ao comando do rio de janeiro e foi preso. Já contei sobre isto, mas não custa repetir. Assis Brasil recusou sua aposentadoria e devolveu-a, pedindo que fosse usada para ajudar as crianças pobres do país. Creio que exemplos como este são raríssimos. Ele morreu pobre no Rio Grande do Sul. Exemplo para todos o brasileiros.

Assis Brasil recitou os poemas de José Hernandes, criador do gaúcho Martin Fierro, nos idos do século XIX. Aqui vai um pouco da história de José Hernandes, o criador de Martin Fierro:

Sarmiento foi categórico: para que a civilização imperasse algum dia naqueles descampados da Argentina era preciso primeiro derrotar o gaúcho. A sua plataforma (Sarmiento foi presidente do país entre 1868-1874) poderia reduzir-se a três pontos: 1) desarvorar a gauchada das províncias argentinas a tiro e a canhonaço, se for preciso; 2) educar a juventude, e; 3) importar gente européia para povoar o país. Contra isso José Hernández rebelou-se. O manifesto do seu desagrado - o contrapondo ao "Facundo" de Sarmiento - foi "O gaúcho Martin Fierro". Diga-se que antes de redigí-lo em língua nativa e rústica, Hernández ainda tentou derrubar Sarmiento num malogrado levante em 1870. Exilado numa pequena pensão de Santana do Livramento, no sul do Brasil, Hernández não desanimou. À luz da lamparina deu-se a esboçar a sua epopéia guasca, que editou em 1872. Respondendo diretamente ao programa de Sarmiento, Hernández arremessou-lhe o célebre verso: "Ele [o gaúcho] anda sempre fugindo. Sempre pobre e perseguido: não tem cova nem ninho como se fosse um maldito; porque ser gaúcho ... o ser gaúcho é um delito."



Apresento um poema da vida do gaúcho Martin Fierro, entre tantos recitados por Assis Brasil. Assim dará para se perceber com qual seiva, se forjara a firmeza do ex-ministro da Guerra de Jango.



                                                 José Hernandes criador do gaúcho Martin Fierro


"No me hago al lao de la güeya

aunque vengan degollando;

con los blandos yo soy blando

y soy duro con los duros,

y ninguno en un apuro

me ha visto andar tutubiando.



En el peligro qué Cristo!

El corazón se me enancha.

pues toda la tierra es cancha,

y de esto naides se asombre:

el que si tiene por hombre

donde quiera hace pata hancha



Soe gaucho, y entiéndanló

Como mi lengua lo esplica:

para mi la tierra es chica

y pudiera ser mayor;

ni la víbora me pica

ni quema mi frente el sol.



Nací como nace el peje

en el fundo de la mar:

naides puede quitar aquello que

Dios me dió:

lo que al mundo truje yo

del mundo lo he de llevar."

(Extraído de Martín Fierro, de José Hernández, tradução de J. O. Nogueira Leiria, Martíns Livreiro, 1991)





É importante fazer vir à tona a memória nacional, principalmente naqueles aspectos edificantes que nos dão um orgulho sadio de sabermos que a História do Brasil, com H maiúsculo, tem os seus heróis, que morreram à míngua.



Vê que salgaram a casa de Tiradentes, mas que os alferes ainda bradam!

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