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A ofensa da Ceia de Natal

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Desde garoto o período de festas de fim de ano me traz recordações inesquecíveis.

Como é bom nos reunirmos com nossas famílias para celebrarmos a vida, a convivência.

Duas palavras fortes: reunir e conviver.

Reunir implica em separação de algo que era unido, separação que ocorreu pelos mais diversos motivos, desde os tradicionais, como buscar novas oportunidades e horizontes, até os mais fortes conflitos.

A união tem um sentido puro e ingênuo, mas a reunião pressupõe superação, abdicação, reeducação.

Conviver significa reconhecer a nossa incapacidade individual de exercermos a vida, e dependermos de todos para podermos nos realizar.

Lógico que muitos não gostam desta explicação, e irão dizer-me que a individualidade basta para explicar.

Refuto este conceito para afirmar o fim dos eremitas. Não existem mais montanhas onde se possa ficar solitário, e encontrar-se.

Não há solidão, ainda que eu a busque diuturnamente, que me possa satisfazer das grandes interrogações.

Por isso conviver adquire maior força do que o viver.

Seriam suficientes estes dois ingredientes para tornar nossas noites de Natal mais alegres?

Aparentemente sim, mas há outra variável fundamental

Basta um pequeno olhar ao redor, para nos sentirmos egoístas, e recusarmos todos os conceitos humanistas que recebemos: são milhares de abandonados à própria sorte, de famílias desagregadas, dormindo pelos cantos dos edifícios, ou nas praças públicas, quando deixam, sem se lavar, sem lugar para fazer suas necessidades fisiológicas, sem se vestir adequadamente, colocados do lado de fora de nossas janelas.

Muitos já não têm força nem de pedir. Nada esperam de nós. Nos vêem como  exteriores, insensíveis...

Outro tanto se encontra perdido numa longa noite da vida.

Expulsos dos lugares durante o dia, e livres para se ajeitarem em seus papelões pelo relento da escuridão.

Como cearemos neste contexto?

Ignorando o fato, e “convencendo-nos” de que isto não tem nada a ver conosco?

Concluir de que esta é uma realidade milenar, e portanto, sem solução, não devendo nos preocupar pelo sentimento de culpa de  nos alimentarmos faustosamente, enquanto outros sentem fome e estão à míngua?

Muito conveniente...

Ou então, tornarmo-nos semi-revolucionários. Trovejando nas platéias, mas não vinculando a vida pública com a vida particular.

Ou mesmo, sermos beneficentes com alguns, ou alguma instituição de caridade, sentindo-nos em seguida revigorados para festejar com os parentes, como se tivéssemos feito a nossa parte.

Ledo engano.

Somos seres sociais, por mais que evitemos reconhecer este aspecto, a nossa humanidade sente, ou se ressente, desta grande separação.

Esta humanidade anseia, em seu íntimo, por um dia de uma grande união, onde todos possam festejar o Natal nas grandes avenidas das cidades, com mesas compridas, e toalhas de mesa brancas, talheres de ouro, enfeites, reunindo toda sorte de gente, cada qual trazendo sua parte da refeição, para oferecer ao outro e perguntar se está bom.

Vejo pessoas chegando felizes e abraçando-se fraternalmente pelas ruas e pelas praças.

O dia da grande libertação.

Libertação de tudo.

Dia do Grande Encontro de todos com tudo.

Uma Terra sem proprietários.

Este dia encontra-se em meus sonhos, tornando-me um sonâmbulo incomodado, por estes anos a fora, em minhas noites de Natal.

Cearei, como tantos que pensam assim como eu, meio penalizados, meio absolvidos, reconhecendo-me limitado diante do gigantismo deste sonho, e abraçando em lágrimas a todos, num sinal de esperança de que este dia há de chegar.

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