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As seitas e o processo de alienação do povo brasileiro






Aqui está um vespeiro imenso. Primeiro porque trata da influência da vida religiosa, em particular o fundamentalismo religioso, com o grau de consciência política do cidadão brasileiro.

Retirando-se as amarras de uma discussão "intocável", uma vez que isto envolve uma cadeia de apoios aqui e ali, que impedem de aflorar a verdade dos fatos, podemos começar este artigo com uma pergunta simples e objetiva:

A religião pode ter o papel de frear as lutas sociais, impedindo de alcançar conquistas efetivas que beneficiem a maioria da população?

A resposta é SIM.

Sim, mas nem sempre, devendo-se ver em qual circunstâncias este papel alienador se desenvolve.

Por isso é necessário identificar as características do fundamentalismo religioso , como ponto de partida para a análise. Para tanto tomamos textos de Leonardo Boff:

Leonardo Boff compreende que o fundamentalismo religioso surgiu nos Estados Unidos da América, através do protestantismo norte-americano:
“O nicho do fundamentalismo se encontra no protestantismos norte-americano, especialmente entre os pilgrims que vieram da Holanda e da Inglaterra, expulsos em 1620 por exigirem reforma no cristianismo, e acabaram sendo os pais da pátria norte-americana.” 7
Esse teólogo menciona onde o fundamentalismo protestante se proliferou a partir da interpretação literal que religiosos fizeram a Bíblia:
“O fundamentalismo protestante ganhou sua forma clássica a partir do trabalho de teólogos e pregadores que atuavam dentro da Universidade de Princeton. Estes tomavam as palavras da Bíblia ao pé da letra (para a fé protestante o fundamento de tudo é a Bíblia). Cada palavra, cada sílaba e cada vírgula, dizem os fundamentalistas é inspirada por Deus. Como Deus não pode errar, então tudo na Bíblia é verdadeiro e sem qualquer erro.” 8
Boff analisou que essa corrente de fundamentalistas protestantes se opôs a outra corrente de religiosos protestantes da chamada “Teologia Liberal”. Boff afirma que essa corrente religiosa:
“...usava e usa ainda hoje, os métodos histórico-críticos e hermenêutico para interpretar textos escritos milhares de anos atrás. Segundo estes métodos, a história e as palavras não ficam congeladas no passado, mas mudam de sentido ou ganham novas ressonância de acordo com a mudança dos contextos históricos.” 9
Boff entende que na concepção dos fundamentalistas protestantes o procedimento dos religiosos da Teologia Liberal é ofensivo a Deus. Esse autor analisa também que os fundamentalistas,
se opõem também aos conhecimentos contemporâneos da História, da Geografia... da Biologia, que possam questionar a verdade bíblica. Em muitas escolas no sul dos Estados Unidos, onde predomina esse tipo de fundamentalismo, impõe-se até hoje o criacionismo estrito e se rejeita a concepção evolucionista do mundo e da vida. Para o fundamentalista, a criação se realizou mesmo em sete dias, o ser humano foi feito literalmente de barro e Eva foi tirada da costela de Adão.” 10
Boff  ressalta ainda que
“Na moral, o fundamentalista é especialmente inflexível, particularmente no que concerne à sexualidade e à família. É contra os homossexuais, o movimento feminista e todos os processos libertários em geral.” 11
Para o autor em análise “O fundamentalismo protestante ganhou relevância social nos Estados Unidos a partir dos anos 50 do século XX com as Igrejas eletrônicas.”12
Após expor como os fundamentalistas protestantes dos EUA interpretavam e interpretam a Bíblia Boff faz uma ressalva importante: “Naturalmente nem todos os protestantes conservadores são fundamentalistas.” 13
Leonardo Boff no livro já citado analisa também o fundamentalismo católico. Para ele
“O fundamentalismo católico (e de todo cristianismo de modo geral) tem raízes profundas e muito antigas. Apoia-se na convicção de ser o único portador da verdade absoluta. Portanto, julga-se no direito e no dever de levar esta verdade a todo o mundo, porque todos os demais estão privados dela e são vítimas das artimanhas de satanás.” 14
Boff tem razão ao afirmar que o fundamentalismo católico tem raízes antigas. Basta lembrarmos que a história da Igreja Católica é anterior ao protestantismo norte-americano e mesmo a Lutero. Quando ele faz referência à posição da Igreja Católica de que deveria ser levada a verdade a todos os povos “vítimas das artimanhas de satanás”, evidencia a postura fundamentalista da Igreja de Roma. Boff lembra que:
No tempo da colonização ibérica, a verdade fundamentalista ganhou a forma de imposição... Os papas sentiam-se representantes de Deus e por isso senhores do mundo. Distribuíam favores a reis e príncipes com arrogância e fundamentalismo.” 15
Para Boff o fundamentalismo católico se fundamentava: “Há somente um Deus, um papa, um rei, uma cultura e uma ordem mundial querida por Deus.” 16
Para evidenciar a autoridade dos papas Boff cita bulas que caracterizam as relações entre o poder religioso dos papas  e o poder político dos reis. Ele faz referências aos papas Alexandre VI(1492-1503) e a Nicolau V(1447-1455) e a distribuição de favores a reis e príncipes. Boff cita a Bula do Papa Alexandre VI dirigida aos reis da Espanha:
“Pela autoridade do Deus todo-poderoso a nós concedida em São Pedro, assim como do vicariato de Jesus Cristo, vos doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares e vilas, as ilhas e as terras firmes achadas e por achar.” 17
Boff cita também a Bula do Papa Nicolau V dirigida aos reis de Portugal dando a eles:
“a faculdade plena e livre para invadir, conquistar, combater, vencer e submeter a quaisquer sarracenos e pagãos em qualquer parte que estiverem e reduzir à servidão perpétua as pessoas dos mesmos.” 18
Percebe-se que no passado, no tempo da conquista do Novo mundo, papas valendo-se em nome de Deus, de uma verdade única e absoluta, concederam autoridades a reis, inclusive escravizar pessoas. Mas o fundamentalismo católico continua existindo. Segundo Boff
“Ainda hoje há dentro do catolicismo setores que prolongam, embora de forma sutil, o antigo fundamentalismo, disfarçado sob os nomes de restauração e de integrismo...Visa-se uma integração de todos os elementos da sociedade e da história sob a hegemonia do poder espiritual representado, interpretado e proposto pela Igreja Católica...o inimigo a combater e a modernidade.” 19
Boff analisa que existe na Igreja Católica “Os grupos da restauração e do integrismo vivem uma duplo fundamentalismo: um doutrinal e outro ético-moral.” 20 Ele afirma que um restauracionismo de cunho fundamentalista em andamento e cita o retorno da missa em latim, a discriminação das mulheres em exercer o sacerdócio, o rebaixamento dos leigos;  características fundamentalistas em setores do pentecostalismo católico.
Leonardo Boff analisou também o Fundamentalismo Islâmico. Para ele esse tipo de fundamentalismo ganhou mais visibilidade nos meios de comunicação recentemente devido a acusação de responsabilidade pelo atentado de 11 de setembro e 2001. Para Boff “O islamismo original... Não é guerreiro nem fundamentalista. É tolerante para com todos ‘os povos do livro’(judeus e cristãos).” 21
No entanto, para Boff todos,
“Aqueles que tomam o Alcorão como revelação enlivrada (feito livro) e tentam aplicá-la em todos os campos da vida, no sagrado e no profano, na sociedade e na organização do Estado, tendem a ser fundamentalista. Criam um Estado teocrático e acabam impondo a todos, mesmo aos não muçulmanos, a famosa Sharia...que é a lei islâmica.” 22
Para esse autor a origem do islamismo tem datação no século VII, pois Maomé nasceu por volta de 570 e morreu em 632 de nossa era. Atualmente situação ideológica do islamismo é dividida entre xiitas e sunitas. 23  Para Boff com o controle por parte do Ocidente das bacias petrolíferas situadas nos territórios muçulmanos do Oriente Médio, com a globalização econômico-financeira na região e com a entrada dos valores ocidentais “Os muçulmanos tendem a ver nos ocidentais os ateus práticos, os materialistas crassos e os secularistas ímpios...a partir dos anos 80 do século passado surgiu o neofundamentalismo islâmico,” 24esse caldo anticultural fez germinar o fundamentalismo islâmico.
Algumas palavras sobre o Fundamentalismo no judaísmo. Para Karem Armstrong: 25
“O etos moderno era claramente hostil ao judaísmo. Apesar de frisar tanto a tolerância, os pensadores do Iluminismo desprezavam os judeus. Raça totalmente ignorante... uma objeta avareza... um ódio violento de todas as nações que os tem tolerado, etc.”
Percebe-se que principalmente a partir do Iluminismo, século XVIII, muitos foram os termos pejorativos contra os judeus, gerando a reação fundamentalista. A história de hostilização e perseguição aos judeus todos conhecem.
A partir dos autores citados podemos iniciar a conclusão desse texto afirmando que o contexto histórico em que o fundamentalismo Religioso surgiu foi no Ocidente cristão, que a palavra ‘fundamentalismo’ é fruto e decorrência do que se convencionou chamar de Modernidade. É possível afirmar que os maiores fundamentalismos encontram-se no Ocidente, foram gestados aqui em oposição à Ilustração e ao liberalismo e são filhos diletos do Romantismo.
Para Leonardo Boff o fundamentalismo religioso se manifesta hoje através do maniqueísmo: a luta do bem contra o mal e seus argumentos não precisam ser religiosos, pois todos os fundamentalistas se parecem: os religiosos e os dos mercados. “Os religiosos porque vivem dos dogmas da fé. Os do mercado porque, para eles, o mais importante são as leis que regem a compra e a venda de seus produtos” Boff lamenta: “pessoas que não vislumbram mais o arco-íris, mas só vêem preto e branco, luz e trevas.”
Os autores discutidos neste artigo caracterizam a importância de se combater todo e qualquer tipo de fundamentalismo. Para Boff se combate o fundamentalismo com argumentação racional, com diálogo, com tolerância; não pela vontade de poder, mas pela vontade de conviver; combatendo o terrorismo, construindo a paz, a justiça, praticando o espírito da gentileza. Para esse autor Todo fundamentalismo é sempre de um sistema fechado, feito de claro ou de escuro, inimigo de toda diferenciação, cego a lógica do arco-íris, onde a pluralidade das cores convive com a unidade do mesmo fenômeno.
Para Pedro Lima Vasconcellos: “Combater o fundamentalismo não é ser intolerante. Ser intolerante com os religiosamente intolerantes é apenas salvaguardar um mínimo espaço de cidadania para que as pessoas partilhem suas visões de mundo sem se autodestruírem.” Norberto Martin Dreher acrescenta: “Porém o trágico das formulações de nossos dias é que ‘fundamentalistas’ são sempre os outros, jamais nós próprios” Para Lloyd Geering a guerra não é a resposta ao terrorismo e ao fundamentalismo, no seu entendimento não há respostas exatas para o problema. Para ele “O melhor que podemos fazer é dialogar com os fundamentalistas para tentar entendê-los.”

As seitas, crescem no Brasil, principalmente no pós 1950, de influência nitidamente norteamericana, com a intenção de destronar a Igreja Católica de sua hegemonia no país. Organizando-se de forma pulverizada e formando pastores com rapidez inusitada e prematura, passam a crescer, principalmente nos estratos mais pobres da população. 

Pesquisas recentes do IBGE mostra que ao melhorar suas condições econômicas, esta população que deixa a pobreza passa a deixar estas igrejas, notando-se uma queda em seu crescimento.
Isto posto, conclui-se que o fundamentalismo religioso está ligado a uma leitura literal da palavra de Deus, sem vinculá-la ao contexto em que foi escrita, e sem se fazer a devida correlação com a realidade atual em que está sendo lida, para daí então se fazer a conclusão do quê a palavra está dizendo para nós hoje.
Como tudo se prende a leitura literal da palavra, as opiniões sobre a política ficam restritas ao pastores e líderes leigos e religiosos que estão no controle. Assim eles podem impor posições particulares sobre os interesses dos fiéis, que desconhecem completamente o que acontece. Para não se dizer que não discutem nada, passam a viver de apenas dois temas, como se fosse tudo a ser discutido: o aborto e o homossexualismo.

Os fiéis, portanto ficam blindados contra as propagandas políticas, pois vivem um curral eleitoral religioso fundamentalista, onde a opinião do líder é aquela que deve ser adotada.

Isto traz os seus reflexos na participação política da população, pois forma pessoas desinformadas, e com visão simplista da vida onde Deus seja um ausente da dimensão política.

Com isto conclui-se que o fundamentalismo religioso no Brasil está ligado, entre outros fatores, no qual a grande imprensa tem aspecto principal , ao processo de alienação política do povo brasileiro, situação sui generis, que só pode ser combatida através do diálogo.

Não é sem razão o fato destas seitas serem maioria nos EUA.



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