A cada vez que leio Cecília Meireles percebo sua aguda sensibilidade para as pequenas ações humanas.
Revirando minha biblioteca desfigurada, pego um livro de poemas de Cecília Meireles, e abro ao léu. Defronto-me com o poema "Retrato em Luar". Até o nome do poema acende uma luz em minha escuridão literária.
RETRATO EM LUAR
Meus olhos ficam neste parque,
minhas mãos no musgo dos muros,
para o que um dia vier buscar-me,
entre pensamentos futuros.
Não quero pronunciar teu nome,
que a voz é o apelido do vento,
e os graus da esfera me consomem
toda, no mais simples momento.
São mais duráveis a hera, as malvas,
que a minha face deste instante.
Mas posso deixá-la em palavras,
gravada num tempo constante.
Nunca tive os olhos tão claros
e o sorriso em tanta loucura.
Sinto-me toda igual às árvores:
solitária, perfeita e pura.
Aqui estão meus olhos nas flores,
meus braços ao longo dos ramos;
e, no vago rumor das fontes,
uma voz de amor que sonhamos.
"Retrato em Luar" é o enxergar na claridão do luar de uma solidão noturna.
O ambiente é um parque, imaginário para mim, mas, talvez, bem real para a poetiza que vagueia, à noite, entre paisagem e pensamento, numa identificação imanente, panteísta.
O parque é a porta de seu Jardim do Éden, voltando do mundo ao Paraíso, caminho inverso de uma Eva que nunca saiu.
Suas mãos no musgo dos muros, serão interrogações sobre os limites da vida, impressos como identidade, a ser descoberta no futuro? Os próprios musgos não serão o que decanta do outro lado, suavisando a separação?
Há um nome não pronunciado, tão grande o segredo deste amor.
E como cultiva este íntimo sentimento, sabendo-se sólitária em tudo, de ouvintes e dela mesma.
Nem mesmo o vento tem permissão de ecoar tal nome.
Talvez lhe despertasse o mais que está buscando adormecer. O mundo não comporta, em seus valores, a realização deste sentimento.
Reconforta-lhe a permanência das plantas, maior que a efêmera transitoriedade deste instante.
Por isso decide escrever, para que seja guardado.
E viaja por entre as árvores, e galhos e flores, imanência de pertencimento, identidade de ter sido.
Há uma entrega silenciosa com tudo, que apaga esta dor sublimada.
Vou seguir o dia de hoje com Cecília me ensinando no silêncio.
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